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Chris Moneymaker - O Arauto do Poker Moderno


Julio Rodriguez

Você já ouviu a história uma dezena de vezes: um contador norte-americano que vence um satélite de $39 na internet, disputa o maior torneio de poker do mundo e transforma esses trinta e nove dólares em 2.5 milhões.
Seu nome é Chris Moneymaker, e por representar o sonho de milhões de pessoas comuns e ter um sobrenome bastante sugestivo, foi creditado a ele o que chamamos de "boom do poker".

"O mundo percebeu que qualquer um poderia fazer aquilo", diz o comentarista do World Poker Tour, Mike Sexton. "Chris tem sido um grande embaixador para o poker, e ele foi um dos pioneiros do poker na internet. De certo modo, ele ajudou a aproximar os torneios ao vivo e online por todo o mundo".

Companheiro de time de Moneymaker e porta-voz do PokerStars, Daniel Negreanu faz coro às declarações de Sexton: "Quando venceu em 2003, ele não era um profissional. Além de um sobrenome com apelo midiático, não havia outros motivos para que lhe dessem atenção – não até que o torneio estivesse em sua reta final. Ele é o cara que transformou algumas dezenas de dólares em milhões. Hoje, há incontáveis afro-americanos que sonham em ser presidente do Estados Unidos. Por quê? Porque Obama fez isso. A mesma coisa aconteceu quando Chris venceu o Main Event. Há jogadores recreativos espalhados por todos os cantos que sonham em se tornarem campeões do mundo".

Mas enquanto o resto do mundo caminhou junto com o poker e evoluiu, Moneymaker admite que se acomodou com a fama e permaneceu ali em sua zona de conforto. Em tempo, ele percebeu que algo não estava certo. Naquele ponto, redescobriu a paixão pelo poker e decidiu que era hora de evoluir. O estudo foi recompensado. Seu jogo nunca esteve melhor.

A verdade é que já faz uma década desde que o mais famoso jogador amador de poker venceu o Main Event. Agora, ele conversa com a Card Player e fala sobre o passado, presente e futuro.

Card Player: Qual a sua parcela de participação no "boom do poker"?

Chris Moneymaker: Não me dou qualquer crédito por isso. Eu era apenas o cara certo, na hora certa e no lugar certo. A única coisa que fiz foi ser eu mesmo. Por alguma razão, as pessoas  se identificaram com aquele cara normal, o antagonista que vai de encontro ao profissional sagaz e conhecido. Eu gosto de ser aquele cara com quem você pode chegar para conversar e tomar uma cerveja. E é esse tipo de mentalidade que tenho tentando manter.

 

CP: Como alguém que jogou todos os grandes torneios ao redor do mundo, você vê muito de si na comunidade do poker?

CM: Sim. Não onde estão os profissionais de elite, mas nos home games das vizinhanças  ou nos jogos $1-$2 dos cassinos. Lá há algumas centenas de Moneymakers.

CP: Isso faz com que você se sinta um estranho entre os profissionais?

CM: Realmente há vários nomes fortes no meio, mas, não, eu não me sinto um estranho. Meu jogo melhorou bastante. Posso competir com qualquer um, e o mais importante: tenho confiança em minhas habilidades e não sinto mais como se tivesse que alcançá-los.

CP: Fale da sua evolução como jogador desde a vitória na WSOP de 2003.

CM: Depois de vencer o Main Event, passei cinco ou seis meses acreditando que eu era incrível, um jogador acima do bem e do mal. No entanto, com o passar dos anos, a coisas não estavam indo bem. Eu comecei a creditar os maus resultados à minha falta de sorte.

Em 2009, finalmente comecei a analisar as coisas ao meu redor. Percebi que todas as pessoas estavam jogando diferente de mim. Eu não havia acompanhado a evolução do jogo. O engraçado é que eu tinha me tornado um daqueles jogadores de quem eu dava risada em 2003: profissionais que jogaram por anos e anos e não se preocuparam em melhorar. Eu via as mudanças que o poker sofria, mas não me convenci de que eu teria que mudar também. De repente, meus adversários estavam aplicando 3-bets e 4-bets light, e eu não conseguia me defender disso. Eu nem mesmo entendia o que significava um aposta polarizada.

Em vez de continuar com desculpas, decidi que queria melhorar. Eu não tinha ideia o quanto tinha ficado para trás entre 2003 e 2009. Descobri que o nível do poker, no geral, estava nas alturas, enquanto isso, eu afundava cada vez mais. Aquele  foi meu "aha moment" no poker, e fiquei furioso comigo mesmo, e fiz tudo o que podia para não ser mais aquele cara.

CP: Na WSOP-2003 você era o chip leader com 10 jogadores restando. Você tinha A-Q e acertou uma trinca no flop. Seu oponente era ninguém menos que Phil Ivey, que acertou um full house, com seus Noves, no turn. Você tinha sete outs para eliminar o jogador mais perigoso da mesa, e um Ás apareceu no river. Se você não tivesse completado a sua mão e o melhor jogador do mundo tivesse vencido o torneio, o "boom do poker" aconteceria naquele ano?

CM:  Independente de qualquer coisa, acredito que o boom iria acontecer – simplesmente por causa do poker online e da popularidade do poker na TV. Mas não acho que seria na mesma proporção. A ideia de que qualquer um pode "pular na jaula dos profissionais" e vencer o maior torneio de poker do mundo fisgou as pessoas naquela época. A verdade é que isso poderia ter acontecido com qualquer outro esporte televisionado.  As pessoas não me viam ali como o vencedor, elas enxergavam a si próprias.

CP: Qual a ideia mais equivocada que o público têm a seu respeito?

CM: Há dois erros que as pessoas cometem quando falam sobre mim. O primeiro deles é acharem que estou quebrado. O segundo é pensarem que sou um jogador de poker muito ruim.  Isso costumava me incomodar, mas agora não deixo mais nada me preocupar. Há jogos que formam à minha volta porque algumas pessoas querem contar aos seus amigos como eles me derrotaram. Agora, apenas sento em uma mesa de $5-$10 e deixo que venham achando que não vou levar o jogo a sério. Não posso dizer que acho ruim. Isso fez com que meu adversários ficassem bastante polarizados ao jogarem contra mim. O que tenho que fazer é determinar se meus oponentes estão jogando de maneira sólida, para contar aos outros como ganharam um pote de mim, ou se estão jogando insanamente, para contar como conseguiram me blefar. Uma vez que me ajusto a isso, fica bem fácil jogar.

Vencer a WSOP, me deu muito mais do que dinheiro. Além da reputação, sempre haverá um jogador disposto a me "presentear" nas mesas – apenas por causa do ego.

CP: Como é a sua relação com o PokerStars?

CM: Quando ganhei a WSOP, o PokerStars veio até mim e mostrou interesse em me ter como porta-voz do site. Na época, eles disseram, "bem, nós não sabemos quanto lhe pagar, porque não há ninguém por aí na mesma situação que você".  O resultado foi que o meu primeiro acordo não foi tão bom. Não foi culpa de ninguém, mas o conceito de "porta-voz", em um site de poker, ainda não existia. Ninguém sabia que tipo de trabalho eu teria que fazer. O contrato era de três ou quatro anos. Logo depois do primeiro ano, o PokerStars explodiu e se tornou maior do que nunca. Eles poderiam ter me mandado "catar coquinhos", mas, instantaneamente, quiseram renegociar meu contrato. Eles me trataram muito bem na última década. Tenho orgulho de dizer que represento a marca PokerStars. Não é por acaso que o PS é o melhor site de poker do mundo.

CP: Na sua opinião, haverá outro boom, como aquele ocorreu há dez anos?

CM: Não acontecerá de novo. Pelo menos, não como o de 2003. Outro amador vencer o Main Event não mudará nada. Uma mulher campeã? Também não. A única coisa que pode nos levar perto daquele boom é a legalização, em âmbito federal, do poker online. Ainda assim, estamos falando apenas do Estados Unidos, que é um mercado importante (se não o mais), mas o poker ainda está crescendo por todo o mundo.

O melhor argumento daqueles que defendem o poker é que o Estado não pode simplesmente ignorar a quantidade de dinheiro envolvida neste negócio. Bem, se isso fosse verdade, eles já teriam legalizado as apostas esportivas, porque é um mercado que movimenta dez vezes mais dinheiro do que o do poker. O único argumento que a comunidade tem é o de que poker é um jogo de habilidade. É aí que está a esperança.

CP: Quanto você mudou nessa última década?

CM: Minha mulher pode não concordar, mas sou mais responsável hoje. Eu era muito festeiro e ficava bêbado sempre. Não assumia nenhuma responsabilidade e, algumas vezes, não comparecia aos eventos ou às entrevistas. Hoje, quase não bebo e cumpro com todos os meus deveres. Quando digo que vou fazer algo, eu faço.




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