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Descobrindo a Europa: Nicolau Villa-Lobos é o primeiro brasileiro a ganhar um título europeu

No último dia 21 de janeiro, o Brasil conquistou seu primeiro grande título na Europa. O responsável pela façanha foi uma das novas sensações do poker brasileiro.


Marcelo Souza
Nicolau Pacheco Villa-Lobos tem apenas 25 anos, mas sua história com o poker começou quando o esporte mental ainda dava os seus primeiros passos no Brasil. Depois de passar por uma cirurgia no coração, ele ficou seis meses sem poder realizar qualquer atividade física. Mas há males que vem para o bem. Foi nesta época que “Nico” conheceu o poker – um esporte que ainda não era esporte, ou melhor, que ainda não era reconhecido como tal.

COMEÇANDO CEDO
“Foi em 2007 que conheci alguns clubes no Rio de Janeiro e um pessoal que joga até hoje, o Carlos ‘Mavca’, o Fabiano Lemos... Acabei fazendo amigos em São Paulo também, como o Vini Marques”, conta Nicolau.

O aprendizado foi como o da maioria, lendo um livro aqui e outro ali. O melhor deles, segundo ele, já lançado em português no Brasil, pela Raise Editora: “Como Vencer Torneios de Poker – Uma Mão de Cada Vez”, escrito por Eric “Rizen” Lynch, Jon “apestyles” Van Fleet e Jon “PearlJammer” Turner.

“Eu não gosto de ler algo que fica me dizendo o que fazer. Por ser um jogo da mente, você precisa tentar entender como cada cabeça pensa. Como a obra deles é feita apenas com exemplos de mão, foi a que eu mais gostei”, revela.

Ao contrário de outros jogadores, Nicolau não teve problemas com a família quando começou a levar o poker mais sério – algo não muito comum, se seu pai não fosse Dado Villa-Lobos, ex-guitarrista da lendária Legião Urbana. Definitivamente, preconceito e repressão são duas palavras que passam longe da casa do músico.

“Seria muita hipocrisia da parte do meu pai não me deixar jogar poker. Quando ele tinha 17 anos, virou para a minha avó e disse que queria ser músico”, conta. “Não vou dizer que ele gostava, porque eu jogava em uns lugares meio underground. Mas, hoje, ele acompanha meus torneios e torce bastante”. Inclusive, a hipótese de Dado aparecer em um evento não está descartada: “Se bobear, vou até tentar levar ele um dia. Ele não vai ter muita paciência, mas se eu ganhar um buy-in do BSOP ou algo tipo, acho que conseguiria levá-lo. Porém, tem que ser no Rio de Janeiro. Ele não iria viajar para jogar”.

EXPLODINDO PARA O BRASIL
Para o Brasil, Nicolau apareceu no final de 2011. Ele resolveu disputar o Rio Poker Tour Grand Finale, no Rio de Janeiro, e acabou sendo o bolha – posição que lhe rendeu um tablet. Alguns meses depois, em março de 2012, um vice-campeonato no BSOP do Rio. O resultado elevara a sua moral, mas não o preparou para o que viria no meio do ano.

Quando a World Series of Poker caminhava para o seu final, Nicolau ainda estava no Brasil. “Não sou um cara que fica planejando as coisas. A princípio, não iria jogar a WSOP. Nem visto eu possuía, mas todos os meus amigos estavam lá.”, conta. “Mas depois de achar uma passagem barata, tirar o visto e abrir uma cavalada – tudo isso em um espaço de cinco dias –, embarquei”.

Com exatos US$ 10.000 no bolso, ele se hospedou em um hotel mais barato e partiu em busca do sonho. “Eu pretendia jogar o Main Event, mas não queria pagar o buy-in integralmente. Chegando lá, engatei em um satélite de mil dólares, mas não deu. Fui para o Venetian e recuperei o dinheiro no cash”, revela. “No último dia, consegui a vaga. Aquilo me deu uma tranquilidade enorme”.

No principal torneio de poker do mundo, Nicolau adotou uma estratégia mais conservadora. “A estrutura do evento é surreal. Os blinds aumentam a cada duas horas. Você não precisa se apressar. Joguei tight, adotando o estilo small ball. Sem desespero. Torneios não são vencidos no primeiro dia”, diz.

A estratégia deu certo, e ele foi avançando dia após dia. No Dia 4, um susto. Ele acabou caindo na mesa com Joseph Cheong (3º no Main Event de 2010), Paul Volpe (mais de 1.5 milhão de dólares em premiações online) e Taylor Paur (cavalo de Chris Moorman e com quase US$ 2 milhões de ganhos na internet). “Eu fiquei realmente desanimado. Os caras eram extremamente agressivos, sem nenhum apego às fichas”, conta. “No entanto, acabei dobrando em cima do Paul e ganhando duas boas mãos em cima do Cheong, que acabou tiltando e indo all-in, com 40 big blinds, pouco depois”.

A bolha do torneio foi um dos momentos mais tenso para Nicolau. Ele tinha 550.000 fichas e os blinds eram 4.000/8.000 – quase 70 big blinds, fichas mais que suficiente para passar tranquilamente pela temida bolha. Mas não foi o que aconteceu.

“A mesa rodou em fold até mim, no cutoff. Com AK, aumentei para 17.000. Nos blinds, um britânico reaumentou para 56.000. Era uma situação complicada. Se eu aplicasse uma 4-bet e ele fosse all-in, o que faria? Dar fold no meu Ás e Rei estava fora de cogitação? Então, preferi o call. O flop veio Q-T-5, com uma carta de espadas. Ele repete a aposta, e eu pago. O turn é um K, e ele aposta 180.000. Foi uma decisão muito difícil. Nós dois tínhamos os maiores stacks das mesa. O pote já estava gigante”, conta. Nicolau acabou pagando, esperando que seu oponente tirasse o pé do acelerador no river, mas não foi o que aconteceu: “O river foi um 7, e ele empurrou all-in. Era o meu torneio em jogo. Na hora, passa um milhão de coisas na sua cabeça. Acabei sentindo a pressão e dei fold”, confessa. Para desespero de Nicolau, seu adversário deu showdown de J8, um blefe total.

Apesar do golpe, ainda restaram 30 BBs no stack do carioca, que colocou a cabeça no lugar e avançou. Foi longe o bastante para ser lembrado como o melhor brasileiro no Main Event da WSOP 2012. Ao cair no Dia 6, na 77ª posição, ele garantia US$ 88.070 e se firmava como um dos principais jogadores do País: “Ninguém espera chegar tão longe, mas quando acontece, você já começa a pensar em mesa final e outras tantas possibilidades. Espero repetir a dose”.

Para fechar o ano com chave de ouro, ele ainda terminou em 66ª lugar (de 1.612 jogadores) no principal evento de poker do calendário nacional: o BSOP Million.

SONHO DE FÉRIAS

Depois de um ano frenético, Nicolau embarcou com toda a família para a Europa. Seria um mês inteiro no “Velho Continente”, mas não longe dos feltros. “Eu já sabia que íamos voltar para o Brasil no final de janeiro. Sempre que viajo, procuro um lugar para jogar. Planejei disputar algum evento paralelo no WPT de Paris e o Main Event do UKIPT, este último com a comodidade de pagar o buy-in e receber o prêmio exclusivamente pelo PokerStars”, conta.

“Eu estava em Londres, peguei um trem para a Edimburgo e cheguei lá pouco antes do Dia 1B começar. A organização era fantástica. Dealers perfeitos, pontualidade britânica, diretores à altura do evento. Não esperava menos de um torneio com a chancela do PokerStars”, diz.

O PokerStars United Kingdom Ireland Poker Tour foi criado em 2010, mas foi só em 2013 que a série britânica atraiu os olhares brasileiros – graças a Nicolau.

Era 20 de janeiro quando o as redes sociais se agitaram. O melhor brasileiro no Main Event da WSOP 2012 já estava ITM no UKIPT, e seguia avançando. Ao final do dia, a notícia que Nicolau Villa-Lobos estava na mesa final. Muito short, é verdade, mas vivo: “Entrei muito confiante. Eu sabia que estava jogando bem. Consegui dobrar logo no início e tudo fluiu bem”.

Mesmo com adversários experientes na mesa, caso de David Vamplew (campeão do EPT de Londres em 2010), Nicolau impôs seu jogo. Quando restavam quatro jogadores, ele mandou um por um para casa, até ficar em heads up contra o búlgaro Vladislav Donchev, e com uma vantagem de quase 8-para-1. Não deu zebra. Encurralado pelo brasuca, Donchev empurrou suas poucas fichas para o centro com Q7, mas ele estava em maus lençóis quando Nicolau pagou instantaneamente com AQ. O bordo não deu nenhum susto em Nico, que entrou para a história e embolsou 101.000 libras (cerca de R$ 315.000): “Na hora, não pensei na repercussão. Eu era o único brasileiro no field. Só depois fui ver o quanto aquilo era importante. Foi uma sensação única”, conta.

PROFISSÃO: POKER
Agora, Nicolau já se considera um jogador profissional e, no momento, só pensa em seguir no poker, mesmo com as fortes influências culturais que possui ao redor: “A música é tudo para mim. É o ar que respiro. Comecei a tocar violão aos sete anos, tive uma banda, participei de gravações com Vanessa da Mata, Adriano Calcanhoto, com o meu pai. Conheci muita gente bacana do meio. Também teve a faculdade de cinema. No futuro, não descarto seguir carreira na música ou em algo parecido, mas em 2013 vou focar no poker”, revela.

Os grandes torneios no Brasil e os LAPTs estão na sua mira neste ano, mas o objetivo principal é Las Vegas: “Quero ir para Vegas bem preparado, com a cabeça no lugar. Vou jogar vários eventos,  a série Deep Stack do Venetian, a WSOP... Este é o meu foco”.

EXEMPLO, DENTRO E FORA DOS FELTROS
Nicolau Villa-Lobos é mais um que vem para acabar com o estereótipo de que o jogador de poker é preguiçoso, sedentário e egocêntrico. Esportista nato, o carioca não tem nada de marrento, é humilde e disciplinado. Ele mantém o corpo sempre em forma para que a mente esteja sempre saudável. Trabalhando sempre com os pés no chão, os resultados vêm aparecendo com regularidade – e, pelo andar da carruagem, não serão os últimos.



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