EDIÇÃO 63 » COLUNA NACIONAL

Casca-grossa é pouco

Comentários de uma das mãos mais difíceis que já joguei


Thiago Decano

Já joguei inúmeras mãos complicadas em minha carreira como jogador profissional. Uma delas, a qual está entre as mais difíceis de que me lembro, aconteceu na edição de 2012 da World Series Of Poker, em Las Vegas. Prometo que, nas próximas edições, trarei exemplos de mãos menos “casca grossa”, mas esta aqui eu faço questão de comentar com vocês.

Estamos fim do Dia 1 do Evento 6-max de $1500 da WSOP. Os blinds são 500-1000 com ante de 100, e eu estava com um stack confortável, de aproximadamente 77.000 fichas. Dou raise para 2.200 do UTG do UTG com K-10 do mesmo naipe. A bolha estouraria com 110 jogadores, e restavam 140 no field.

O vilão, que tinha 36.500 fichas, paga do UTG+1. As notas que eu tenho dele são as de que o sujeito sentou à mesa há cerca de 30 minutos e jogou apenas uma mão, e a de que se trata de um jovem americano que eu já tinha visto nos principais torneios do circuito live. Eu me lembrei de que, no ano anterior, ele era um dos poucos que estava na torcida por Yevgeniy Timoshenko no final do evento de heads-up de US$25.000 da WSOP 2011. Provavelmente, era um amigo do ucraniano e tinha um nível técnico bem parecido.

O flop traz 874. A primeira questão é apostar ou não. Optei por check-fold, pois, por considerar o vilão um ótimo jogador, acredito que ele pagaria a minha aposta pra roubar no turn (o famoso “float”), muitas vezes com overcards, e não largaria nenhum par.

Ele dá check. Assim, acabo por eliminar de seu range mãos como overcards. Imagino que ele tenha algo como 5-5, 6-6, A-7, 8-9s, 8-T, par com queda para a broca (gut shot) e alguns monstros, como trincas. E até mesmo 5-6, que prefeririam o slowplay, já que ele sabia que eu provavelmente daria fold diante de uma aposta no flop, ou duas seguidas no turn.



O turn traz um 10, e surge aí a segunda decisão importante da mão: apostar ou dar check-call? Primeiramente, só consigo enxergar o vilão com uma mão de valor, do contrário, ele teria blefado no flop. Logo, em se tratando de todos os pares ou monstros que mencionei acima, ele vai apostar no turn. O problema é que a minha mão ganhou um valor substancial nessa street, o que poderia me induzir a apostar por valor. Preferi o check-call de $3.000 que ele fez, já que minha linha de check-flop e bet no turn nunca é de uma mão forte, o que poderia incentivá-lo a preferir dar um raise com par+draw, por exemplo, em vez de call.

O river traz um K, e com ele vem a terceira questão, que é apostar novamente ou ir de check-call. Minha mão está bem escondida e ganhou muito valor. Além disso, a minha linha de apostar no river é bastante estranha, afinal, o que eu represento sendo passivo no flop e no turn, e agredindo no river? Acho que, em momento algum, representei um blefe ou um draw que não bateu.

Dependendo do valor que eu aposte, ele poderia ler como uma blocking bet. Em contrapartida, optando pelo check-call, acredito que eu perca o grande valor que a minha mão tem a maioria das vezes. Isso porque, todos os pares do range do vilão devem optar pelo check-behind, mesmo sendo o rei uma carta que praticamente não muda a história da mão.

Porém, será que ele pagaria uma aposta minha no river, mesmo se ela fizer sentido? Não acredito que ele saiba que tipo de jogador eu sou, então, deve me classificar como um player aleatório em meio ao field.

Eu aposto 6.800 fichas. Ele pensa bastante, separa as fichas para dar call, começa a embaralhá-las. Após alguns minutos, ele dá raise pra 18.500. Pronto, eis que surge a quarta questão! Ele realmente tem o monstro que também coloquei no seu range e deu slowplay? Ou ele é capaz de transformar o valor da sua mão em blefe? Vejo que ele ficou com 12.500 restantes, mas sei que ele não está preocupado com a bolha. O raise blefando no river não é uma jogada muito utilizada, ainda mais com o fato de que ele não me conhecia, não sabia se eu era capaz ou não de largar um 10, por exemplo.



Por outro lado, a minha linha jamais foi a de uma mão forte demais, e isso poderia incentivá-lo ao blefe, mesmo com valor de showdown. Não achei que fosse fazer essa jogada contra um desconhecido, mesmo tendo capacidade para executá-la e sendo uma situação boa para isso.

Pensei bastante, e acabei dando fold. Dias depois, descobri que o sujeito era o Galen Hall, que venceu o main event do PCA em 2011, nas Bahamas. Se eu soubesse disso antes, talvez tivesse dado call. Galen ficou conhecido por dar – corretamente – um hero call, um “call chorado”, segurando uma sequência contra um full house, no heads-up desse torneio.

Quando o dia terminou, perguntei a Galen se ele considerava bom um hero fold com Rei e Dez. Ele ficou surpreso por eu ter largado os dois pares mais altos e disse que provavelmente faria a mesma coisa. E confidenciou que tinha 8-9 do mesmo naipe. Se é verdade ou não, só ele e Deus sabem. Mas bola pra frente.





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