EDIÇÃO 61 » ESPECIAIS

Antonio Esfandiari vence o maior torneio de poker da história


Erik Fast

Um milhão de dólares é mais de 100 vezes o salário médio anual do Brasil. Na World Series of Poker de 2012, em Las Vegas, 48 pessoas desembolsaram esse valor para jogar o torneio com o maior buy-in da história do poker: o Big One For One Drop.

O evento teve todas as vagas preenchidas, assegurando ao primeiro lugar US$ 18.346.673, o maior prêmio individual já pago em um esporte, excluindo o boxe. Como se não bastasse, o campeão se tornaria o jogador que mais ganhou dinheiro em torneios de poker da história.

Além de quebrar diversos recordes históricos, o Big One arrecadou mais de US$ 5,3 milhões para a Fundação One Drop, uma ONG que combate a pobreza em todo mundo através do acesso à água potável.
Em um field com os principais nomes do poker mundial e empresário milionários, quem se sobressaiu foi um nome bastante conhecido em Las Vegas e no mundo: Antonio “The Magician” Esfandiari.

Esfandiari ganhou fama não só por suas habilidades com o baralho, mas também por suas ostentosas festas. Mas, nos últimos anos, ele tem mudado seu foco – agora, a versão madura do bon vivant de 33 anos colhe os frutos dessas mudanças.

O SONHO DE UM MILHÃO DE DÓLARES DE GUY LALIBERTÉ
A história da maioria dos torneios de poker começa ao som do conhecido anúncio: "suffle up and deal" – não foi o caso do Big One For One Drop.

Tudo começou em Montreal, Canadá, com o bilionário fundador do Cirque de Soleil Guy Laliberté assistindo a um jogo hóquei com Mitch Garber, CEO da Caesars Interactive Entertainment, responsável por operar mais de 50 cassinos nos Estados Unidos. Laliberté tinha acabado de fundar a One Drop Foundation e dizia a Garber como ele queria atingir os mais diferentes nichos ao redor do mundo para divulgar a sua causa.

"Eu pensei que a comunidade do poker seria um lugar maravilhoso para começar", disse Laliberté. "Eu tive a ideia de um torneio com buy-in de um milhão. Eu sabia que se incluísse um elemento de caridade, o evento poderia acontecer".

Laliberté jogou poker high stakes como hobby por muitos anos. Ele tinha conexões com os principais jogadores e empresários do mundo. Depois de uma reunião, os dois decidiram que o evento poderia funcionar se eles pudessem atrair os profissionais, em busca da fama e do dinheiro, e homens de negócios generosos procurando testar as suas habilidades.

O evento foi anunciado em junho de 2010, e desde então Laliberté se empenhou em reunir um field digno do buy-in de sete dígitos. A lista inicial incluía nomes como os de Tom "Durrrr" Dwan, Gus Hansen e Daniel Negreanu.

BIG ONE FOR ONE DROP
Mesmo para os melhores jogadores do mundo, não é tarefa fácil levantar um milhão de dólares. Até mesmo quem joga nos limites mais altos tem os seus ativos empregados em diversas coisas – ou simplesmente não se poder dar ao luxo de colocar tanto dinheiro em jogo de uma só vez. A saída foi vender parte do buy-in para investidores. O único jogador a declarar publicamente que pagou o valor integral da entrada foi Jens Kyllöen, finlandês de 22 anos.

"Eu via isso como um tipo de aposta. Eu poderia comprar alguma coisa legal, como um bom carro ou uma casa, mas senti que tiraria mais proveito jogando este torneio", disse o profissional de cash games.

Michael "The Grinder" Mizrachi, por exemplo, mesmo depois de ganhar US$ 1,45 milhões, apenas alguns dias antes do Big One, no Poker Players Championship de US$ 50.000 da WSOP, ainda vendeu cerca de 85% da sua participação.

Já Gus Hansen conseguiu entrar no evento a menos de 12 horas do seu início, ao bater 96 jogadores em um satélite com buy-in de US$ 25.300. O mesmo aconteceu com Phil Hellmuth, que teria recebido a vaga no cassino MGM após um acordo entre os finalistas.

Com 28 dos melhores jogadores do mundo e mais 20 empresários, estava formado o field do torneio mais caro da história do poker – e apenas nove deles receberiam uma fatia da prize pool de US$ 46,2 milhões.

SHUFFLE UP AND DEAL
Mesmo com a recente tendência de eventos high roller com buy-in de seis dígitos, um torneio milionário é algo que definitivamente coloca pressão nos participantes. Minutos antes das cartas serem distribuídas, tensão e ansiedade enchiam o salão, No primeiro dia, 11 eliminações – Erik Seidel, Phil Ivey, Jason Mercier e Bertrand “ElkY” Grospellier eram alguns dos nomes fora da corrida pelo título.

O Dia 2 começou com 37 jogadores, e seria encerrado quando a bolha estourasse. O décimo colocado sairia com os bolsos vazios. "Eu quero muito estar nesta bolha. A adrenalina deve ser incrível", disse o jovem fenômeno britânico Sam Trickett.

A ingrata 10ª posição acabou nas mãos de um empresário russo de 34 anos, Ilya Bulychev. Muito short, ele empurrou all-in de Q6. Trickett, com K7, pagou. O flop trouxe top pair para o britânico e flush draw para Bulychev. Nenhuma carta de ouros apareceu e, a partir daquele momento, todos já tinham garantido uma premiação milionária.

O encerramento do dia foi marcado pela eliminação de Mike Sexton. Membro do Hall da Fama do Poker desde 2009, ganhador de bracelete e comentarista do WPT, Sexton embolsou US$ 1.109.333 pela nona colocação.

MESA FINAL
O Dia Final trouxe os oito finalistas, e as fichas estavam distribuídas da seguinte maneira:
1. Antonio Esfandiari (Estados Unidos) – 39.925.000
2. Sam Trickett (Reino Unido) – 37.000.000
3. Guy Laliberté (Canadá) – 21.700.000
4. Brian Rast (Estados Unidos) – 11.350.000
5. Phil Helmmuth (Estados Unidos) – 10.925.000
6. David Einhorn (Estados Unidos) – 8.375.000
7. Richard Yong (Malásia) – 8.375.000 fichas
8. Bobby Baldwin (Estados Unidos) – 7.150.000 fichas

Com o desfecho do maior torneio de poker da história tão próximo, todos os finalistas agora tinham a atenção voltada para o “troféu” do campeão: um bracelete de platina com um diamante em forma de gota (drop) no centro. A joia, avaliada em US$ 350.000, havia sido especialmente desenhada para aquele torneio, pela fabricante suíça de relógios de luxo Richard Mille, cujo principal garoto propaganda é ninguém menos que Rafael Nadal.

Richard Yong, empresário malásio e jogador regular dos cash games high stakes em Macau, foi o primeiro eliminado, seguido por Bobby Baldwin, campeão do Main Event da WSOP de 1978.

Brian Rast, ganhador de dois braceletes e campeão do Poker Players Championship de 2011, foi o seguinte, em uma mão brutal. Depois de acertar o nut flush, ele optou por fazer um slowplay contra Sam Trickett, mas o river trouxe uma quadra de três para Trickett.

O quinto colocado foi a força por trás do evento: Guy Laliberté. Em um clássico coin flip, ele viu seu par de damas ser batido pelo AK do mago Esfandiari, que, no turn, tirou um rei mágico da cartola.

A premiação aumentava em escala napoleônica, e o mesmo acontecia com os stacks de Esfandiari e Trickett. A próxima vítima foi o membro do Hall da Fama Poker e recordista de braceletes da WSOP. Phil Hellmuth deu uma aula de como jogar short-stacked em grande parte do torneio, mas o choque entre seu A-10 e o A-Q de Sam Trickett decretou o fim da linha para o falastrão.

David Einhorn, um bem-sucedido gerente de fundos de investimentos, era o único empecilho para o que viria a ser um heads up épico entre dois grandes nomes do poker mundial. Einhorn acabou caindo, mas não sem antes anunciar que doaria seu prêmio integralmente para a Fundação City Year, uma ONG com foco em educação. Em 2006, ao terminar na 18ª colocação do Main Event da WSOP, ele também havia doado seu prêmio de US$ 659.000 para a Fundação Michael J. Fox.
Estava armado o palco para Esfandiari e Trickett.

HEADS UP DE OITO DÍGITOS
Esfandiari tinha uma liderança em fichas de aproximadamente 2,5-1. Com tanto dinheiro em jogo, e todos os olhos sobre ele, o profissional de 33 anos parecia não sentir nem um pouco da pressão, muito pelo contrário, com uma intensidade penetrante nos seus olhos, “The Magician” parecia já saber que o título tinha dono.

A diferença de mais de US$ 8 milhões entre os prêmios do primeiro e do segundo colocado não fez com que o heads up se estendesse muito. Foram apenas 16 mãos.

No último ato do espetáculo, Esfandiari abriu raise do button para 1.800.000. Sam Trickett pagou do big blind.

O flop veio J55. Trickett pediu mesa, e Esfandiari apostou um pouco mais que a metade do pote. Trickett aumentou para 5.400.000, e Esfandiari fez tudo 10.000.000. O britânico não se intimidou, aplicou uma 4-bet de 15.000.000 e viu Esfandiari empurrar tudo para o centro da mesa. Com menos fichas, Trickett pagou com Q6, flush-draw. Esfandiari, com 75, tinha uma trinca de cincos e estava em vantagem.

O turn foi um irrelevante 3. “Eu estava pensando, ‘tudo bem, este é o meu momento, se eu superar essa flush draw, vou ganhar o maior torneio da história. Por favor, Jesus, uma vez’”, conta Esfandiari.

O river foi uma carta vermelha, mas de copas – um inofensivo dois, que assegurou ao mago do poker o bracelete de platina e US$ 18,3 milhões.

Com o título, Esfandiari viu seus ganhos em torneios catapultarem para quase US$ 23 milhões, o que faz dele o maior ganhador da história dos torneios de poker. Sam Trickett embolsou pouco mais de US$ 10 milhões e pulou para terceiro no ranking, com US$ 16,4 milhões em ganhos, atrás apenas do próprio Esfandiari e de Erick Seidel.

1. Antonio Esfandiari US$ 18.346.673
2. Sam Trickett US$ 10.112.001
3. David Einhorn US$ 4.352.000
4. Phil Hellmuth US$ 2.645.333
5. Guy Laliberté US$ 1.834.666
6. Brian Rast US$ 1.621.333
7. Bobby Baldwin US$ 1.408.000
8. Richard Yong US$ 1.237.333


DE VOLTA AOS TRILHOS
Com dois títulos do World Poker Tour e um bracelete da World Series of Poker, Esfandiari já possuía uma bagagem de respeito. No inicio dos anos 2000, ele se tornou um dos maiores nomes no poker, apesar do seu comportamento espalhafatoso.

O sucesso financeiro aliado à sua personalidade naturalmente extrovertida fizeram com que ele fosse taxado como boêmio, e o seu amor pelas festas talvez tenha tirado a sua concentração do jogo.

"Sair e ir festejar o tempo todo, no fim do dia, não me fazia feliz. Eu adoro, não me entenda mal, mas agora tenho 33 anos, e eu simplesmente decidi viver uma vida melhor", diz Esfandiari, que atribui sua vitória graças à retomada do foco.

Apesar da sua mudança, ele ainda é um cara muito sociável. "O meu estilo é de conversar e me divertir. Eu gosto de aproveitar a minha vida, em vez de apenas me sentar lá e ficar entediado", conta. "Porque o poker, como todos sabem, algumas vezes é entediante".

Descalço em cima da mesa que tinha feito dele uma lenda, com dois pacotes de dinheiro nas mãos e assumindo uma pose de karatê, estava claro que, apesar da sua nova fase, Esfandiari ainda está longe de ser um cara tedioso de se assistir.

“É PARA VOCÊ, PAI”
Entre os aplausos e palmas, Esfandiari pediu um momento para dedicar a sua vitória ao seu pai, Bejan Esfandiari – a quem prometeu o cobiçado bracelete de platina.

"Eu apenas queria vencer. Nada mais importava para mim. Só assim eu poderia dar o bracelete ao meu pai. Ele tem sido o meu principal suporte, desde o início. Ele desistiu de tudo para trazer o meu irmão e eu para os Estados Unidos", conta Esfandiari, que deixou o Irã quando tinha apenas nove anos.

"Quando descobri que ele estava jogando poker, eu inicialmente o castiguei", revela Bejan. "Ele era um estudante muito bom. Eu queria que ele fosse um médico, um engenheiro ou alguma coisa assim. E não foi ele que me contou. Eu ouvi de outra pessoa que ele estava envolvido com apostas”.

Perguntado se ele ainda questionava a decisão de seu filho jogar profissionalmente, Bejan responde com um sorriso e uma risada: "Agora, tudo bem".




NESTA EDIÇÃO



A CardPlayer Brasil™ é um produto da Raise Editora. © 2007-2024. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.

Lançada em Julho de 2007, a Card Player Brasil reúne o melhor conteúdo das edições Americana e Européia. Matérias exclusivas sobre o poker no Brasil e na América Latina, time de colunistas nacionais composto pelos jogadores mais renomados do Brasil. A revista é voltada para pessoas conectadas às mais modernas tendências mundiais de comportamento e consumo.


contato@cardplayer.com.br
31 3225-2123
LEIA TAMBÉM!×