EDIÇÃO 52 » COLUNA NACIONAL

Saída à francesa

Spot complicado contra Fabrice Soulier


Felipe Mojave

Sabe aqueles momentos de um torneio ou de uma mão de cash game, em que a decisão que precisamos tomar é tão importante que chega a nos deixar desconfortáveis? Na linguagem do poker, eles são conhecidos como “spots”.

É preciso ter em mente que uma das marcas do bom jogador de poker é saber colocar os oponentes em situações complicadas com frequência. Isso faz com que você manipule situações, blefe de maneira eficiente e dificulte a leitura que eles têm do seu jogo.

Em julho deste ano, na Bellagio Cup em Las Vegas, joguei uma mão contra o bom jogador francês Fabrice Soulier. Os blinds estavam em 300-600, eu tinha 43.000 fichas, e ele, 95 mil. Soulier subiu para para 1.500 do começo da mesa. Eu estava no big blind com AK e voltei 4.400. Ele pagou.

O flop veio KJ8, me dando top pair com top kicker e nut flush draw. Disparei 6.800. Ele deu de novo. No turn bateu um 3 e eu decidi apostar outra vez, agora, 14.500. Fiquei com 17.300 restantes, algo em torno de 30 big blinds.

Nesse bordo, minha mão estava realmente forte. Só que Soulier deu um all-in quase instantâneo, me deixando em situação bastante complicada: dar fold e ficar com 30 blinds, ou pagar e subir para 140 blinds, correndo o risco de ser eliminado?

“Apostei pelo valor e agora já não sei se tenho a melhor mão”, era o que passava pela minha cabeça. Realmente, foi uma jogada muito forte que me fez parar e reavaliar toda a situação. Era spot de gente grande, e o pior é que eu sabia que Soulier podia estar fazendo aquilo com uma mão mais fraca do que a minha. Já tinha jogado contra ele antes. “Ele está achando que eu talvez largue A-A ou A-K aqui”, pensei.

Em geral, um reraise do big blind denota muita força. Levando em conta que ele sabia disso, seu all-in demonstrava ainda mais força. Ele tinha plena consciência de que eu estava apostando pelo valor, e não blefando.

Mesmo em meio a essas circunstâncias, ainda havia uma luz no fim do túnel. Com certeza, ele poderia ter uma mão combinada, como QT para um flush, duas pontas para o straight ou mesmo uma broca. E ele jogaria todas essas mãos da mesma forma, seja pelo seu estilo de jogo, seja pela grande quantidade de fichas que ele tinha naquela hora. Porém, já que a minha aposta no turn me comprometeria bastante com o pote, eu também acreditava que ele jogaria dessa forma com uma trinca de valetes ou com K-J, os dois pares mais altos.



O fato de Soulier saber que eu ainda tinha espaço para dar fold tornou a jogada ainda mais complicada. Eram muitas possibilidades, muitas informações, e quando isso vem à tona, o bom jogador sabe explorar o spot para colocar pressão. Ele é um oponente perigoso, que joga para frente. Sujeitos assim normalmente seguem apenas um plano estratégico e quase nunca mudam suas táticas de jogo. O que eu queria saber mesmo era se ele tinha noção do meu stack size, e o que ele imaginava que eu tinha. Como Soulier é do tipo que vê muitos flops e gosta de levar as mãos para showdown, tudo ali era possível.

Como eu já disse aqui algumas vezes, quando o negócio fica complicado demais, o melhor é fazer o mais simples. Dei fold. Ele mostrou um J. Aquilo não queria dizer nada: eu poderia tanto estar perdendo como ganhando, contra algo como JT, por exemplo.
Se ele explorou essa jogada pensando em me colocar num nível de pensamento alto e fazer com que eu desistisse da minha mão, ele jogou uma mão maravilhosa. Mas não há como ter certeza. Depois da minha aposta no Turn, um bom jogador poderia tomar diversas outras decisões, e isso me deixou com uma pulga atrás da orelha.

Outro fator que me incomodava muito é que eu não acreditava que ele fosse capaz de fazer essa jogada blefando. Ou seja, ele sempre teria algo que me colocaria em risco, mas como Soulier é um jogador experiente, essa possibilidade não poderia ser descartada. Seria imprudente subestimá-lo.

Depois fiquei pensando se não poderia ter dado check-call no turn. Ou talvez a melhor opção fosse mesmo check-raise all-in. Por outro lado, do mesmo jeito que ele não sabe largar top pair quando deveria, ele também gosta muito de controlar o pote com mãos de grande valor – fazendo-o, ironicamente, perder valor às vezes. Estava tudo muito confuso. Naquelas circunstâncias, quem perderia valor seria eu. Sem falar que ainda havia mãos piores que poderiam me dariam call, o que acabou me fazendo optar pelo fold.

Como vocês podem ver, essa jogada tem várias faces, com incontáveis resultados. Essa riqueza de detalhes e de possibilidades é o tipo do argumento que reforça ainda mais o poker como esporte mental. Com todas as letras.





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