EDIÇÃO 52 » COLUNA NACIONAL

Metagame - Parte III

Teoria dos Jogos


Christian Kruel
No artigo anterior começamos a destrinchar alguns conceitos básicos da teoria dos jogos. Falamos de sua evolução histórica, conceitos, princípios e elementos do jogo (jogadores, regras, estratégias e pagamento). Aqui, veremos alguns tipos de jogos e o conceito de equilíbrio em cada um deles. Isso é interessante para entendermos melhor não apenas o poker, mas qualquer tipo de jogo.
 
No entanto, como se trata de um artigo mais técnico, com conceitos acadêmicos, é necessário deixar de lado algumas noções comumente conhecidas que temos como verdades. Um exemplo clássico é a velha distinção entre "game of skill" e "game of chance", que chamaremos aqui de jogo de habilidade ou de sorte, respectivamente. Essa discussão tem sido comum no meio do poker, que costuma citar legislações de países que fazem confusão entre tipo um e outro, por exemplo. Do ponto de vista acadêmico, porém, não há qualquer ambiguidade.

Responda rápido: de acordo com a teoria dos jogos, o poker é jogo de habilidade ou de sorte? Acertou quem respondeu “nenhum dos dois". Pegadinhas à parte, antes de apresentar algumas classificações, precisamos conhecer as três categorias básicas de jogos, retiradas da obra “A Estratégia do Conflito” (Harvard, 1960), de Thomas Schelling:

Games of Skill (Jogos de habilidade)
Os resultados dependem da habilidade dos jogadores. Os exemplos mais tradicionais são o freecell, alguns tipos de paciência, um jogo do tipo arremessar a bola na cesta, um jogo de paredão com uma raquete de tênis e por aí vai.
 
Games of Chance (Jogos de sorte)
Os resultados dependem do acaso. Qualquer loteria serve de exemplo aqui, assim como a roleta ou uma máquina caça-níquel.
 
Games of Strategy (Jogos de estratégia)
Os resultados dependem de ações tomadas pelo próprio jogador e pelos demais jogadores. Nesta categoria se encontram o poker, truco, gamão, xadrez, bridge e outros. Esse é o tipo que nos interessa aqui.

Os jogos do primeiro tipo dependem de certa habilidade individual, seja física ou mental. O segundo grupo se baseia apenas na sorte. Os jogos do terceiro tipo são mais complexos, podendo aliar as habilidades física e mental, e também a sorte. Além disso, a influência do adversário e a necessidade de estratégia fazem com que seja preciso raciocinar "além do jogo", colocando-se na posição do oponente na hora de tomar decisões. Por isso, são os jogos de estratégia que apresentam o conceito de metagame com mais frequência. Confira os principais tópicos relativos a essa teoria.
 
Quanto ao número de participantes, os jogos podem ter dois, três ou mais de três jogadores. De antemão, você já percebe que isso vai criar diferenças estratégicas entre o heads-up e as mesas com mais de três pessoas à mesa, por exemplo. Com relação à possibilidade de decisões a serem tomadas, os jogos podem ser finitos ou infinitos, a depender das opções de cada participante no momento de agir.
 
Os jogos podem ainda ser escalares, quando nossas decisões se resumem a um valor particular de uma variável unidimensional, ou vetoriais, quando as decisões implicam em vetores que agem sobre mais de um plano.
 
O “tempo” também pode aparecer em alguns tipos de jogos. Nos estáticos, ele não é levado em conta, e as decisões são tomadas de uma única vez. Nos dinâmicos, o sistema do jogo funciona e se ramifica ao longo do tempo, na medida em que as decisões vão sendo tomadas e os respectivos resultados aparecem. Essa categoria tem ainda duas subdivisões. Na primeira, a variável tempo assume um valor ou um conjunto de valores discretos, finitos ou enumeráveis. São os chamados “jogos discretos”. Na segunda, o tempo é tratado de forma contínua, são os “jogos diferenciais”.

Uma forma de associar matematicamente o resultado de um jogo aos interesses de cada jogador envolvido é através de um recurso chamado "função-critério". Quando a soma dos valores das funções-critério de todos os jogadores envolvidos for sempre constante, quaisquer que sejam as decisões por eles tomadas, temos um jogo de soma zero. Do contrário, o jogo será de soma-não-zero, ou soma-variável.
 
Os jogos podem apresentar ainda elementos de imprevisibilidade associados às ações dos jogadores. Quando essa imprevisibilidade depender somente dessas ações, temos um “jogo determinístico”. Caso haja dependência de outros elementos de imprevisibilidade, como uma mudança climática, uma chuva, por exemplo, diz-se que o jogo é estocástico.
 
A hierarquia é outro fator que altera o modo de raciocinar o jogo. Em jogos não-hierárquicos, todos os jogadores se submetem às mesmas condições e tomam suas decisões sob a premissa de um relativo equilíbrio de forças. Aqui, cada um tem a capacidade de influenciar positiva ou negativamente os resultados dos demais, e vice-versa. Já nos jogos hierárquicos, ou multiníveis, um ou mais jogadores têm condições superiores para impor aos demais algumas restrições ou determinadas maneiras de agir.
 
A forma e o momento em que os jogadores tomam suas decisões também é importante e, como veremos mais adiante, influenciam até no tipo de equilíbrio que adotaremos para estudar o metagame. Os jogos de lances simultâneos são aqueles em que os jogadores estão obrigados a tomar suas decisões de modo sincronizado, ao mesmo tempo. Ou seja, um não pode esperar pelo outro para tomar sua decisão. É aqui que tipicamente se aplica o conceito de equilíbrio de Nash, como o Dilema do Prisioneiro, que vimos na primeira parte desta série. Por sua vez, nos jogos com lances sequenciais, como o poker e o xadrez, os jogadores tomam suas decisões numa sequência certa, um de cada vez, com o segundo jogador já sabendo qual foi a decisão do primeiro, e assim sucessivamente. Aqui não se aplica o conceito de Nash, mas outros tipos de equilíbrio.
 
A disponibilidade das informações é outro fator que altera o modo de se entender o metagame. Em jogos com informações completas ou perfeitas, todos os jogadores têm conhecimento pleno das funções-critério de todos os demais jogadores e de suas opções de escolha: eles sabem previamente as possíveis consequências das decisões que cada um pode tomar, como num tabuleiro de xadrez. Em jogos como poker, contudo, conhecidos como jogos de informação incompleta, os participantes têm ciência apenas da parte que lhes toca, ignorando as opções ou interesses reais dos demais jogadores, bem como o estado real do sistema onde atuam. Eis a razão por que o metagame é tão importante na tomada de decisões.
 
Os jogos podem ainda ser cooperativos, em que os participantes podem e devem conversar entre si, procurando, em conjunto, formular as decisões a serem tomadas, levando em consideração as limitações e interesses de cada membro. Nos jogos não-cooperativos isso não acontece devido às regras ou ao interesse particular de cada jogador.
 
Por fim, temos os jogos de coalizão, em que um subgrupo de jogadores pode decidir que lhes convém combinar suas estratégias entre si, agindo como se fossem um único jogador. Nos jogos sem coalizão esse tipo de arranjo não é permitido.
 
Os critérios acima podem ser usados para classificar qualquer tipo de jogo de estratégia que seja observado, proposto ou estudado. Assim, apenas a título de exemplo, um jogo poderia ser "diático, infinito, vetorial, dinâmico, discreto, com soma-variável, determinístico, não-hierárquico, com lances simultâneos, com informações completas, não-cooperativo e sem coalizão". Obviamente, é possível classificar de modo mais simplificado. O xadrez, por exemplo, é um jogo diático, finito, escalar, de informação perfeita, soma zero, não-cooperativo e assim por diante. O enquadramento é feito simplesmente com a observação dos detalhes: são dois jogadores, que têm interesses diversos no que diz respeito ao resultado do jogo, que tem fim, cujos acontecimentos surpresa então fora de questão, e assim sucessivamente.
 
No próximo artigo veremos as estratégias de equilíbrio para modalidades como heads-up, sit and go e torneios. Prepare-se: você vai entender de onde o poker veio e para onde ele vai, em termos de estratégia.



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