EDIÇÃO 50 » COLUNA NACIONAL

A entrevista que não aconteceu

Minhas conversas com Zé “Girah” Macedo antes de ele se envolver num escândalo de trapaças no poker online


Pedro Nogueira
No começo de 2011, um português de 18 anos pintou como a grande revelação do poker online. Corria a história de que, em dois anos, ele transformara um depósito de € 30 em US$ 2 milhões jogando cartas na internet. Tudo indicava que um novo titã – do tamanho de Tom “durrrr” Dwan ou Viktor “Isildur1” Blom – estava nascendo. Ainda mais quando ele, até então um desconhecido, anunciou no Twitter que deseja enfrentar Dwan e Blom em seus respectivos desafios.

Zé “Girah” Macedo realmente está sendo o grande nome das mesas virtuais neste ano. Mas não porque limpou seus adversários – e, sim, devido ao escândalo de trapaças no qual se envolveu. O golpe de Macedo era relativamente simples. Ele sugeria a colegas de um grupo de discussão que enfrentassem um suposto “agro fish” de nome “sauron89”. O combinado era que o português acompanharia o jogo contra o “fazendeiro pato”, com acesso às cartas do “amigo”, para que as mãos fossem discutidas depois.
O único detalhe que Macedo esqueceu-se de avisar era que, durante a partida, ele passava as cartas a “sauron89” – na verdade um cúmplice do português. Um desses jogadores, chamado “MossBoss”, achou estranho perder rapidamente US$ 21 mil para o “agro fish” de Macedo. “Senti que havia algo de errado”, escreveu ele no fórum 2+2. “Aquilo não parecia com nenhuma partida de heads-up que eu já tinha jogado antes.”

Ele decidiu, então, conversar com colegas e descobriu que seu caso não fora uma exceção: “sauron89” estava derrotando sistematicamente os jogadores do grupo. Por coincidência, com Macedo assistindo aos jogos. “Sou jovem, cometi um erro e espero que eu não fique marcado por isso”, declarou Macedo no fórum, admitindo a trapaça. “As pessoas dirão que não há desculpa para fazer o que fiz. Concordo. Mesmo assim, quero dizer a todos que sinto muito.” No texto o português ainda prometeu ressarcir os envolvidos e pagar uma compensação extra de US$ 30 mil.

Não sou jogador de poker profissional, muito menos de high stakes. Mas tive algum contato, de interesse jornalístico, com Macedo nos últimos meses. Minha vontade era entrevista-lo para a Alfa. Assim como aconteceu com “MossBoss”, desde o começo senti que havia algo de errado – mesmo sem saber exatamente o quê. Nosso primeiro contato foi por email, em abril, quando fiz o convite a Macedo. Como ele não respondeu, deixei para lá. Até que, um mês depois, chega a seguinte mensagem: “Olá. Sim, estaria interessado! Adiciona-me no Skype em xxxxx para falarmos melhor. Abraço.” Foi exatamente o que fiz.

Tentei repetidamente falar com ele pelo Skype – sem resposta nenhuma. Até que, um mês depois, Macedo vem conversar comigo. “Olá. Ainda estou interessado naquela entrevista.” O sujeito estava sempre sumindo e, quando aparecia, falava como um mordomo de literatura. Afinal, ele queria ou não fazer o diabo da entrevista? Combinamos uma data. Só que – surpresa – ele desapareceu novamente. Elaborei, então, 12 perguntas e mandei para o seu email.

Há um detalhe da carreira de Macedo que ainda não citei: ele nunca revelou seus pseudônimos do poker online. “Girah” só era usado no site Lock Poker, o patrocinador que arrumou depois da suposta forra milionária. Sua ascensão de € 30 para US$ 2 milhões, logo, não fora provada publicamente. Mandei a ele meia dúzia de perguntas leves para aquecer – e outras tantas para arrancar as informações valiosas. Mixei questões triviais como “O que significa “Girah”?” com coisas mais sérias. “Por que você não revela os apelidos que usa para jogar? Você fica preocupado que, como começou no poker online antes dos 18 anos, seu dinheiro seja confiscado?” Esta era uma delas.

Bom, seria quase redundante dizer que não tive resposta alguma. Ainda o adicionei no Facebook e no Twitter para lembrá-lo da entrevista. Silêncio do português. Eis que, poucos dias depois, vem a bomba: sua fraude fora desmascarada por “MossBoss”. Tentei mais uma vez entrar em contato com Macedo – por Facebook, Twitter e Skype– oferecendo uma chance de ele contar a sua versão dos fatos. O Facebook fora apagado, o Skype nunca mais apareceu online e o Twitter está inativo desde o post de “MossBoss”.

É evidente que fiquei surpreso com a história da trapaça. Mas, depois, reli as mensagens que trocamos. “Olá. Sim, estaria interessado! Adiciona-me no Skype em xxxxx para falarmos melhor. Abraço.” Como esse tom hediondo (de mordomo de literatura) e seus sumiços constantes, ele estava praticamente confessando um crime, pensei. Afinal, apenas um culpado para escrever assim. Era como se ele tentasse compensar a falha no caráter com um português impecável. Fosse eu um Hercule Poirot, teria avisado a polícia na hora. Só faltou tato.



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