EDIÇÃO 46 » COLUNA NACIONAL

Calls brilhantes em um poker de alto nível


Felipe Mojave

Enfrentar adversários de alto nível é sempre complicado. Blefar contra eles, então, nem se fala. Nesta coluna, apresento duas mãos em que encarei adversários duros e blefei em ambas.

Exemplo 1 – WPT Londres 2010

Eu tinha 80 mil fichas com blinds de 800-1600 e ante de 200. Meu adversário era Praz Bansi, excelente jogador, muito conhecido circuito internacional de torneios.

Ele abriu raise de 3.600 em middle position. Eu voltei 10.800 do big blind com QQ e ele deu call. O flop veio AK7 de naipes diferentes. Em um pote acima de 20 mil fichas, e com nós dois com cerca de 70 mil restantes, resolvi disparar 14.500.

Sei que com essa aposta eu ganho a maioria dos potes logo no flop. Estou representando em meu range AA, KK, AK, AQ e AJ, mas também pares médios, como 99 e TT. Com eles, eu possivelmente tribetaria da mesma maneira, já que Praz é um adversário que joga muitas mãos. Dificilmente eu daria slowplay contra alguém com esse perfil, buscando extrair mais valor de mãos boas, mesmo fora de posição.

Ele deu call na minha aposta e o turn foi um dez. Pensei bastante e dei check. Ele também tomou seu tempo e deu check-behind. No river, um 5 completou o bordo. Pela minha leitura, Praz não daria slowplay com AA ou KK nessa situação. Tampouco flutuaria, já que grande parte do meu range representava ter acertado o bordo. Só me restava acreditar que, na pior das situações, ele teria algo como AQ, AJs, KQs ou KJs, e que assim seria muito difícil tomar call de uma mão como essas num bordo com AK7T5, com apenas um par. Seria justamente esse range que daria check-behind no turn, pois teria potencialidade de melhorar a mão para o river.

Assim, disparei 34 mil. Ele pensou por muito tempo... Acabou dando call com KQs. Eu sabia que ele possivelmente daria fold nessa mão e, a menos que ele tivesse uma leitura muito específica, daria call.

A questão é que ele sabia que o spot era muito bom para blefar e o check no turn lhe deu mais forças para acreditar nessa leitura (sabendo, óbvio, que eu apostaria pelo tanto valor quanto blefando).

Esse é o tipo de jogada pelo valor que eu faria com grande frequência, por isso mesmo blefaria neste caso, representando valor. Belo call.

 

Exemplo 2 – BSOP Balneário Camboriú 2011

Eu tinha 18 mil fichas e os blinds estavam em 100-200. Meu adversário era ninguém menos do que Gabriel Goffi, temível jogador paulista de cash games high-stakes. Dispensa apresentações.

Abri raise para 525 com T7 em middle position. O button deu call e Goffi, com base no meu stack efetivo, aumentou para 1.650 do small blind. Dei call em posição e o flop veio 952. Ele pediu mesa, eu também. No turn apareceu um 8, me deixando agora com duas pontas e um flush draw. Gabriel pediu mesa mais uma vez e eu disparei 2.500. Ele deu call e o river foi um 4. Ele rapidamente pediu mesa. Eu disparei apostei mais 3.500. Depois de pensar bastante, ele deu call e ganhou a mão com 6-2 de naipes diferentes. Par de dois em um bordo com 95284.

Analisando essa mão, fica claro para mim que Goffi não queria envolver mais fichas no pote. Ele queria que o bordo não complicasse muito, encaminhando a mão para o showdown. O fato de ele ter tribetado pré-flop fora de posição e ter dado check nas três streets mostra isso.

Claro, ele pode ter optado por algum tipo de slowplay. Seria improvável, mas não impossível. Seu range para 3-bet fora de posição, mesmo nas fases iniciais do torneio, é de 100% das cartas. Sei disso. Naquela altura eu vinha abrindo muitos raises pré-flop, o que me levava a crer que esse raciocínio era correto.

Meu check-behind no flop representa muitas mãos, inclusive algumas com extremo valor e outras que não gostariam de ver um check-raise no flop.

No turn, obrigatoriamente eu tinha de apostar, pois poderia fazê-lo largar AK e AQ. Ele poderia ainda demonstrar resistência no turn e dar fold no river se eu apostasse forte. Outro ponto é que minha mão, que não era nada no flop, ganhou equidade com a queda para straight-flush. No caso de eu completá-la, estaria totalmente invisível.

Já no river, com a certeza de que ele gostaria de levar a mão para o showdown, fiquei bastante confortável para aplicar uma value-bet com 55+. O bordo 9-5-2-8-4 era muito bom para isso. Com esse pensamento, ao invés de aplicar uma aposta forte, como fiz contra Praz Bansi, resolvi disparar uma falsa value-bet de 3.500.

Goffi não representava pocket pair no range. Certamente ele apostaria no flop ou no turn com uma mão desse tipo. Assim, faria crer que os ases seriam um call heroico razoavalmente loose.

Junto com esse raciocínio de range amplo para uma value bet “apertada”, transformando-a em value bet “falsa”, tem também tem a questão de meu range pré-flop ser grande demais para dar call em posição jogando com tantas fichas.

O que talvez tenha desagregado valor da minha mão foi o check no flop. Isso, junto com a ideia do meu range amplo pré-flop, talvez tenha levado Goffi a dar call. Colocando tudo na balança, eu não tinha como dar check no river.

Claro que as duas situações são um tanto indefinidas para meus oponentes e que ambos deram calls extremamente desconfortáveis. Um jogador menos preparado não raciocinaria tanto e tenderia a dar fold mais facilmente. Outros com bom aproveitamento também desistiriam por falta de confiança na leitura. Somente jogadores de nível alto dariam esse call no river. Ainda assim, menos da metade das vezes.

Gosto das minhas jogadas. Sei que meus oponentes querem levar a mão para o showdown, mas mostro resistência, mesmo tendo consciência de que eles podem dar call. Isso demonstra confiança em meu jogo e me ajuda na hora de extrair valor em mãos posteriores. É um risco calculado, tanto para mim quanto para eles.

Mas do que eu realmente gosto é o call dos meus oponentes. Mesmo diante de uma situação complicada, eles ainda tiveram capacidade de raciocinar corretamente e acertar na decisão de dar call. Isso sim é poker de alto nível.




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