EDIÇÃO 45 » COLUNA NACIONAL

Sobre homens e cachorros

A jogatina canina imortalizada em quadros históricos


Pedro Nogueira

Qualquer fã de esportes já ouviu falar em Cassius Marcellus Clay Jr. É possível que muitos, no entanto, não o reconheçam por esse nome. E com alguma razão. Afinal, passaram-se 47 anos desde que o pugilista, ex-campeão mundial dos pesos pesados, converteu-se ao islamismo e mudou de nome. Batizado pelos pais em homenagem ao político Cassius Marcellus Clay (1810-1903), um abolicionista do Kentucky, o boxeador escolheu, ao trocar de religião, um típico nome muçulmano para ser chamado pelas pessoas: Muhammad Ali.

Exatamente 98 anos antes do nascimento dessa lenda do boxe, o político americano já havia inspirado um outro casal a batizar o filho com seu nome. Assim, em 1844, nasceu Cassius Marcellus Coolidge, o artista que, anos mais tarde, imortalizaria o poker canino numa série de nove quadros.

Coolidge pode não ter a dimensão artística de um Monet ou um Van Gogh. Mas, entre os jogadores de poker, sua obra é decerto tão popular quanto a de qualquer outro pintor – ou até mais. Entre 1903 e 1934, ano de sua morte, Coolidge produziu a série “Cachorros Jogando Poker” para a empresa Brown & Bigelow, uma fornecedora de calendários e artigos promocionais. São cenas clássicas do jogo pré-Texas Hold’em: sala pouco iluminada, jogadores fumando charuto, copos de uísque na mesa. E, eventualmente, uma fêmea surrando seu companheiro ao flagrá-lo numa sessão de cartas. Só que, no lugar de homens, buldogues, boxers etc.

Das 16 telas da série, sete não retratam o poker em si. Elas mostram os cães gamblers em situações diversas, como um baile ou uma partida de sinuca. Num dos quadros, intitulado “Um Cachorro Solteiro”, um collie está sentando numa poltrona confortável, fumando charuto, com um drink ao lado. Ele lê o jornal do dia e, pelo contexto da série, supõe-se que esteja relaxando antes – ou depois – de algum jogo de poker.

Um dos quadros mais famosos de Coolidge, “A Simpatia no Poker”, mostra um buldogue esparramado na cadeira e sete cachorros rindo dele. O motivo é que o azarado fez quadra de ases e encontrou um adversário com straight flush – o pesadelo de qualquer jogador de poker fechado. O pobre buldogue, aliás, foi uma vítima regular do pintor. Em duas telas (“Sua Estação e Quatro Ases” e “Oprimido Com Quatro Ases”), ele tinha quadra e a mão foi interrompida antes de ser concluída. No primeiro caso, porque o trem em que a partida corria chegara à estação; no segundo, porque uma batida policial acabou com a diversão da turma.

O senso de humor é marcante na série, especialmente no caso de “Fazendo Companhia a Um Amigo Doente”. Na pintura, um grupo de quatro cachorros estaria, supostamente, dando suporte a um quinto colega doente, como sugere o título. Mas duas cadelas terrier descobriram o real motivo do encontro – o poker – e decidiram encerrar a partida de maneira nada amistosa. Um dos parceiros, ao tentar escapar de  fininho, apanhou de guarda-chuva.

“Cachorros Jogando Poker” virou cultura pop. As cenas criadas por Coolidge hoje estampam canecas, calendários e os mais variados tipos de souvenir. Em forma de pôster, decoram paredes de cassinos e clubes de poker ao redor do mundo. Mas, se é fácil ter uma cópia dos quadros de Coolidge, ter os originais é duro – e caríssimo. Que o diga o dono de “Um Blefe Arrojado” e “Waterloo”. Em fevereiro de 2005, o par foi a leilão na Doyle New York. A expectativa era de que fossem vendidos juntos por US$ 30 mil. Quando o martelo bateu, porém, o lance vencedor havia sido de US$ 590.400,00. O comprador? Ninguém sabe, pois se tratava de colecionador privado e anônimo. Mas, se eu fosse procurar as telas, meu primeiro palpite certamente seria a sala do Phil Ivey. Deu odds ou alguém discorda?




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