EDIÇÃO 35 » COLUNA NACIONAL

O call de Isi

Desenvolvimento de um iniciante


Leo Bello

Apesar de ter escrito livros ensinando como jogar e as técnicas que eu acredito serem importantes para um profissional de poker, eu nunca tinha tido a oportunidade de ver de perto o desenvolvimento de um jogador no seu início. Quais são as características que realmente importam nesse período de aprendizado?

Quando eu menos esperava, tive o melhor exemplo possível dentro de casa. Minha mulher, Louiseana, a “Isi”, começou a jogar poker online com play money, como uma forma de entender melhor o jogo que norteava a minha vida. É lógico que ela adorou a diversão. Isso foi há mais ou menos um ano, mas a frequência com que ela pratica veio aumentando progressivamente e, agora, chego em casa à noite e jogamos juntos pelo menos três noites por semana.

Depois do play Money, ela evoluiu para os freerolls em busca de experiência e de começar a faturar alguns trocados. E, naqueles fields gigantes, ela começou a ganhar algumas fichinhas. Impressionante, pois eu não tinha paciência para jogar esses torneios online com mais de 2.000 jogadores. E eu vi a primeira característica importante pra quem está começando: persistência.

Jogar contra milhares de oponentes em torneios nos quais a maioria das pessoas não tem técnica pode ser extremamente frustrante. Mas ela persistia. Aos poucos começou a migrar para sit ’n gos de centavos até poucos dólares e a jogar também heads-up. A técnica e a leitura foram melhorando passo a passo e, acreditem, teve horas em que comecei a aprender com ela. Por estar tão acostumado a jogar torneios com adversários “aparentemente” mais experientes, você acaba pensando que as reações deles são semelhantes às que você teria.

Aprendi então uma segunda lição com a Isi: dar menos fold. Ou melhor, aprendi em quais circunstâncias fazer isso. Apesar de não parecer, o adversário tem que estar blefando. É estranho, pois a minha luta com ela era para ensinar como selecionar mãos e como sair de situações, mas, de repente, me vi com ela me ensinando algumas jogadas de que eu deveria desconfiar e continuar em vez de simplesmente dar fold. Experimentei também todas as agruras pelas quais um jogador novato passa: as frustrações quando nada bate e o software parece conspirar contra você, as bad beats inacreditáveis e os dias em que tudo parece funcionar. Reparei que não importa muito o nível em que você joga (low, medium ou high stakes): todos os jogadores experimentam as mesmas situações.

Então, o que é preciso para continuar se desenvolvendo? Seguir o exemplo da Isi: experimentar, variar os jogos, discutir as mãos com alguém mais experiente. E praticar bastante, com atenção e paciência. Ah, e é muito importante o controle de bankroll. A Isi, mesmo sabendo que, se fosse o caso, eu poderia ceder algumas fichas e fazê-la jogar torneios mais caros, tinha uma extrema disciplina em se manter nos níveis mais baixos, para ganhar experiência e volume de jogo. Eu, claro, eu ficava super feliz ao vê-la ganhando seu “dinheirinho” e evoluindo no seu jogo.

Em maio desse ano, teve uma noite que foi muito especial. Ganhei o torneio de 18K garantidos do Poker Stars. Uma cravada fenomenal, daquelas em que você dá uma bela virada nos momentos decisivos. Mas sabe o que foi melhor? Ela esteve ao meu lado me ajudando e dando palpites desde o início até a última mão, que aconteceu já quase às 7 da manhã. Mas teve uma mão em especial, em que eu tinha AQ, que foi a opinião dela pelo call que fez com que eu ganhasse um pote gigante na mesa semifinal e me posicionasse para chegar à final table.

É claro que o meu maior sentimento é de orgulho, por saber que eu sou responsável por parte da evolução. Mas o mérito maior é dela.

Até agora, falei das principais características do processo, mas não falei da maior dificuldade que reparei – o tamanho das apostas. Ela passou por todas as fases: do overbet ao mini-raise e bets muito baixos para o tamanho do pote. Acertar esses conceitos foi o que levou mais tempo. Sabe aquela ideia de, quando estamos começando, pensarmos que, ao fazermos uma mão boa, temos que apostar baixo para garantir ser pago? Ou o contrário: quando não temos jogo e achamos que temos que arriscar apostando alto.

Outra dificuldade foi controlar o tilt e a frustração, mas ela tirou isso de letra com poucos ajustes. Só que ela tinha uma vantagem: mantinha a agressividade em suas apostas e não tinha medo de aplicar suas jogadas. Ao contrário de muitos iniciantes, ela procura atacar e não ser muito passiva. Ao escrever este artigo, pedi para que ela me falasse algo que achava que eu não poderia ficar sem comentar. Vou citá-la então: “Um iniciante tem mais propensão a perder todo o seu stack por descontroles emocionais, seja usando o poker como forma de extravasar a agressividade, seja tentando provar que é melhor. Em vez de brigar com alguém que nada tem a ver com o game, joga as fichas para cima de um adversário como se estivesse socando, esperando-o revidar. E ele sempre vem, iniciando-se assim a pancadaria que ninguém consegue separar”.

A autocrítica e análise me parecem perfeitas. É um processo aprender a controlar e a separar a emoção do jogo. Frieza é fundamental para se jogar poker: reações emocionais podem afastar o seu melhor julgamento. Em todos os sentidos, e não só no tilt. Euforia, esgotamento nervoso, sensação de cansaço e sono e até mesmo seu próprio humor podem alterar o seu jogo. Por isso recomendo aos jogadores procurar fazer algum tipo de preparação mental, como meditação ou até mesmo apenas procurar um local tranquilo e calmo para praticar, e se lembrar de sempre se alimentar bem e descansar.

Acredito que ela esteja pronta para começar a alçar voos maiores em torneios com buy-in mais alto, bem como jogando ao vivo. O salto do online para o live pode ser intimidador para quem está começando. Aqui fica uma nova dica: quem quiser ir para o poker ao vivo, procure jogar com amigos em casa antes de se aventurar em torneios de clubes. Aprenda a manipular as fichas e a ter uma boa postura à mesa.

Depois de passar por todo esse processo como observador e também como parte ativa no treinamento, me sinto ainda mais apto a falar com os jogadores iniciantes. Tenho até pensado em transformar o meu portal www.leobello.com em algo voltado para os jogadores que realmente estão se iniciando no poker e falar menos para o jogador intermediário. Isso porque o jogador mais avançado já tem uma variedade de informações específicas e de qualidade disponíveis pela Internet. Sites como o brasileiro TVPokerPro, o 4bet, o MaisEV, ou os internacionais TwoPlusTwo, Cardrunners e PokerXFactor são apenas alguns exemplos de onde encontrar conteúdo bastante aprofundado.

Mas onde encontrar as respostas para as perguntas mais banais vindas de quem está começando? Falta material de qualidade em linguagem simplificada. E, mais ainda, a Isi, como mulher no poker, pode ajudar a passar a experiência dela em relação a como o sexo feminino desenvolve seu jogo. As mulheres parecem ter sensibilidade e intuição aguçadas. Basta ver que, apesar dos fields dos grandes torneios ao vivo terem menos de 4% de mulheres (usando o BSOP como exemplo), elas costumam chegar e ter bons resultados com uma frequência maior do que os homens. Temos grandes jogadores no Brasil, e eu torço pra que a Isi se junte a esse time. De qualquer forma, mesmo que o poker seja apenas um hobby caseiro para ela, estou muito orgulhoso em ver o progresso de uma jogadora iniciante, que hoje consegue bater os níveis que joga e de quebra me ensina um pouco mais sobre o jogo que eu amo.




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