EDIÇÃO 32 » COLUNA NACIONAL

Artigão Com Discussão

Alguns pontos de vista sobre uma mão do Sunday 500


Christian Kruel

Olá, galera da CardPlayer Brasil! Acabei de chegar de uma pequena viajem em que passei por dois grandes torneios, o BSOP e o EPT Berlim. Fiquei muito satisfeito com meu jogo em ambos os eventos, mas nos grandes potes decisivos acabei levando algumas pancadas de 2 e 3 outs que poderiam ter me projetado para a liderança.

Recentemente, tive um ótimo desempenho no Sunday 500, um dos torneios de melhor nível técnico da Internet, assim como no Super Tuesday, que tive a honra de vencer há alguns dias. Num dado momento, disputei uma mão com o famoso Joe “bigegypt” Elpayaa que gerou alguns comentários e até um tópico no fórum da Two Plus Two.

Resolvi então convidar dois grandes amigos, as feras Marcos Sketch e William Arruda, que estavam assistindo ao torneio, para colocarem aqui suas impressões sobre a mão. A minha intenção é mostrar para vocês que, mesmo entre bons jogadores que pensam em alto nível, pode haver divergências e, dentro dessas diferenças, pontos de vista absolutamente válidos e coerentes. Após os comentários deles, finalizo com a minha visão particular da situação.

A mão é a seguinte: eu estou no MP2 com A 2.

Vamos aos comentários.

William "Hellzito"Arruda
Fala, galera! Sou o William Arruda, e recebi um convite para comentar essa mão do CK. Eu estava assistindo quando ela aconteceu, então aqui vai minha opinião.
Acho legal ressaltar alguns pontos do metagame dessa mão. Primeiro, o CK estava abrindo raise na posição com um range muito grande, e estava havendo diversos confrontos tanto de 3-bet quando de flat-call nos raises.

No flop, a continuation-bet parece uma jogada padrão, já que temos grande equidade contra mãos que estão na nossa frente e não parece má ideia blefar com esse par de dois. Contudo, é preciso ter um plano para o turn e o river, principalmente quando se está tão deep.

Sem dúvida, o rei que veio no turn é uma carta boa para dar o segundo tiro, já que middle pairs terão uma decisão desagradável. Porém, quando enfrentamos bons oponentes, acho que não podemos nos restringir a esse pensamento.

Como o CK está abrindo com uma gama de mãos muito grande e provavelmente irá dar c-bet no flop com praticamente todo o range de blefe dele e alguma parte do range pelo valor, certamente há muito mais blefes no turn do que apostas pelo valor. O rei não só é uma carta que dificulta para os middle pairs continuarem na briga, como também aumenta a equidade para mãos com draws combinados, tipo JT, J 9, A T, T 9, que aumentam a equidade contra o range do vilão. Portanto, o segundo tiro será mais frequente – e provavelmente “bigegypt” tem consciência disso –, além do fato de que sabemos que nosso vilão gosta de dar calls heróicos.

Sendo assim, acho que dar o segundo tiro sem um plano para o terceiro é um erro, já que estamos fazendo uma aposta que dificilmente fará o vilão largar seus pares ou damas fracas. Levando em conta que temos a pior mão, estaremos perdendo dinheiro com essa aposta.

Sobre o river, acredito que a melhor opção seja fazer uma bet de meio pote para tentar simular uma tentativa desesperada de conseguir call. Sem contar que pagar o terceiro tiro com um middle pair ou um top pair fraco é muito mais difícil.

Agradeço ao CK pelo convite. Tomara que ele me chame para participar mais vezes.

Marcos "Sketch1967" Sketch
Creio que o range de mãos com o qual “bigegypt” paga pré-flop e no flop é enorme, graças ao histórico e ao metagame que existe entre os dois jogadores. Isso faz com que a segunda aposta seja praticamente mandatória, já que ela fará com que boa parte das mãos que pagaram pré-flop e pós-flop, larguem no turn. Creio que ganharemos a mão no turn cerca de 50% das vezes, enquanto dando check para pegar a carta grátis, só ganharemos quando acertarmos – cerca de 30% das vezes, no máximo. Isso porque algumas mãos de valor médio como 88, 99, TT ou JJ, certamente irão pagar a aposta no river se dermos check no turn.

Quando ele paga a segunda aposta, penso que podemos reduzir o range dele quase pela metade. A maioria das mãos que pagarão no flop e no turn inclui uma dama, e não acho que ele largará uma dama contra uma aposta no river (já que são poucos os jogadores que “sabem” dar três tiros pelo valor com mãos de valor marginal, e, por isso, “bigegypt” irá acreditar que eles podem ser um blefe, e que, portanto, sua dama é suficiente). Assim, acho que, no river, desistir seja a melhor opção, já que uma aposta pequena vai tornar mais fácil o call da dama, enquanto uma grande irá parecer um blefe mais ainda.
Considerando isso, fico imaginando se a quinta carta fosse de ouros ou um dois. Qual seria a melhor jogada? Já que a overbet, conforme falei, tende a parecer um blefe desesperado, acredito que, ao acertamos, a melhor opção seja all-in no river. Dessa maneira, extrairíamos o máximo de valor, e acho que ganharíamos o call com frequência suficiente para compensar a overbet.

Diante disso, concluo que, no turn, dar o segundo tiro seja de fato a melhor jogada, tanto por nos dar o pote uma boa parte das vezes, quanto por inflá-lo de forma a nos facilite extrair mais valor no river. Neste, quando acertarmos, o all-in é a melhor opção, pois conseguiremos call na maior parte das vezes, já que a overbet pode parecer um blefe desesperado. Os cálculos de EV mostram que o resultado final com a aposta no turn nos dá uma diferença de quase duas vezes mais fichas, se considerarmos todos os resultados possíveis. 

Outro fator importante que acredito que deva ser levado em conta é que, por incrível que pareça, trazemos um resultado de menor variância quando apostamos no turn! O motivo é o fato de puxarmos o pote sem showdown na maior parte das vezes, fazendo com que ganhemos menos fichas com uma frequência maior, enquanto, ao dar check no turn, ganhamos mais fichas com uma frequência menor. Quando perdemos fichas ao apostar, não perdemos a vantagem no torneio, já que somos chip leader, porém, quando ganhamos, eliminamos um oponente e aumentamos muito nossa vantagem e a proximidade da grana alta. Considerando a situação do torneio e os grandes saltos na premiação, creio que optar pela menor variância seja a decisão correta.

Esse tipo de raciocínio mostra o quanto fazer os cálculos de EV, nem que seja apenas por exercício, é importante e nos auxilia a enxergar as melhores opções. Mesmo assim, ao final, considere outros fatores: ter a informação matemática como auxílio irá fazer com que o jogador tome a decisão correta com maior frequência.

Minha Análise
A minha primeira impressão foi sobre o pré-flop. Apesar de estar ativo na mesa, nesse exato momento eu ainda vejo cinco jogadores por falar, sendo que quatro deles estão bem curtos e em “resteal mode” – principalmente o big blind, que conta com cerca de 10M. Nesse momento, eu reduzo muito meu range de open raise, que inclui pares, Ax suited, AT+ e algumas figuras. Faço isso porque não pretendo dar fold diante de um provável all-in desses jogadores mais curtos, principalmente do big blind. Quando o bom jogador “bigegypt” dá apenas call no small blind, imagino, pelos mesmos motivos, que o range de cold-call dele ali seja tão ou mais curto do que o meu, vez que ele praticamente instigará o big blind (que está muito curto) a fazer o squeeze. Não consigo colocar “bigegypt” em nenhuma mão do tipo JT off ou alguns suited connectors com que ele desse fold no all-in do big blind. Isso reduz muito o meu range de raciocínio pós-flop, posto que ficamos apenas nós dois na mão.

O flop não apresentou uma textura muito complicada. Pelo contrário, gosto do flop com bottom pair e nut flush draw, logicamente. Apesar de vermos uma queda para flush, temos uma dama e duas cartas baixas, o que diminui a possibilidade de mãos que joguem light por muitos draws. O vilão pede mesa e eu dou minha c-bet padrão com meu bottom pair e um flush draw. Como o range de call pré-flop do “bigegypt” é curto pelos motivos que expliquei acima, as mãos com que ele pode ter pagado minha bet ficam em torno de alguns flush draws, pares entre 66 e JJ, trincas e QK, QJ e QT, que são as damas com que imagino que ele pagaria o all-in do big blind.

O turn trás um K, carta muito boa para eu dar o segundo tiro porque, pelo range do oponente, apenas as trincas e a QK não seriam afetadas. Por isso resolvi executar esse second barrel, muito embora eu também considere o check-behind uma boa jogada (talvez até melhor do que o segundo tiro). Como “bigegypt” pagou meu second barrel, eu praticamente posso descartar a parte “ruim” do range dele, como blefes, draws fracos, pares abaixo de Q e outros, sobrando a trinca e as damas.

Como o turn deixou a textura do bordo menos seca, talvez ele tivesse me dado raise com as trincas, o que me faz pensar que o range dele esteja mais próximo das damas (QK, QJ e QT). Em contrapartida, com os dois tiros, o meu próprio range também ficou muito forte, como trincas de damas e de reis, par de seis, QK, flush draws e blefe. Nosso vilão deu call no turn sabendo disso, demonstrando que teria jogo para enfrentar boa parte desse range.

Ao pedir mesa no river, ele me deixou com a opção de blefar ou desistir da mão. Eu basicamente estaria jogando contra QK, QJ e QT, uma vez que esse tipo de oponente é capaz de antecipar a bet do river com draws que não bateram. Eu não tive muito tempo de pensar sobre a quinta carta, inclusive meu amigo – e mestre – Sketch estava assistindo na hora e, quando podíamos, debatíamos o torneio pela Internet mesmo. Meu time banking havia se esgotado por uma volta de break em que voltei atrasado: isso dificultou muito minha decisão e assim, na hora, analisei o custo-benefício e resolvi que não seria prudente insistir no terceiro tiro, pelo único motivo de nossos ranges pré-flop serem bem mais curtos que o habitual, devido às circunstâncias particulares da mão.

Ele abriu QK e puxou o pote, o que me deixou satisfeito com a leitura que tive no momento. Se eu tivesse que jogar a mão de maneira diferente, talvez não tivesse dado o segundo tiro. Também concordo que, nesse caso, não existe muito sentido em dar o segundo tiro sem o terceiro, mas foram justamente os ranges curtos pré-flop que me levaram a optar por jogar dessa maneira.

Espero que tenham gostado desse artigão com discussão! Fora isso, quero agradecer ao Sketch e ao Will Arruda, que desde o ano passado viraram grandes parceiros e acabaram se tornando meus favoritos nos debates de jogadas – além de verdadeiros coaches, pois em cada dia de Skype com eles eu aprendo alguma coisa. Outro antigo e eterno amigo que não pode ficar de fora é o Renzo, que participou ativamente desta discussão e também está sempre me ajudando, tanto técnica quanto emocionalmente. Sem contar o Raul, meu grande ídolo (e capa desta edição!), que estava na minha casa durante a emoção dessa mão.

Próximas paradas: BSOP Rio e 25K do Bellagio! Abraços.




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