EDIÇÃO 31 » ESTRATÉGIAS E ANÁLISES

Consciência de disciplina dentro e fora das mesas - Parte II


André Dexx

Na edição passada, vimos que há fatores “Dentro da Mesa” (DM) e “Fora da Mesa” (FM) que devem ser trabalhados se quisermos obter sucesso no poker, ressaltando a fundamental importância da disciplina nesse processo. Concluímos a Parte I mostrando por que investir em um coach, por exemplo, gera um retorno mais perceptível (porque reflete diretamente na win rate). Aqui, veremos algumas razões pelas quais os itens FM, que repercutem de forma indireta, também são tão relevantes.

A vida do jogador profissional é uma corda bamba, em que qualquer abalo emocional ou falta de atenção são como rajadas de vento. Se quiser evitar a queda, é preciso ser rápido para se equilibrar de novo. E para não cair, é preciso permanecer andando, concentrado, de forma compassada. Cientes disso, precisamos compreender que qualquer modificação em um dos fatores acaba interferindo nos outros, seja dentro ou fora da mesa. Veja alguns exemplos em que itens FM modificam os demais e afetam o desempenho do jogador.

Quando o assunto é saúde, é sabido que praticar uma atividade física interfere diretamente na sua disposição para jogar, no seu raciocínio e percepção do jogo, e na sua capacidade de passar mais tempo em frente ao computador. Já o descuido com a saúde causa problemas de toda natureza, desde o ganho excessivo de peso até tendinites que podem impedi-lo de jogar durante meses.

Outra questão que precisa estar bem definida é a aceitação de sua companheira em relação ao jogo. Quando sua namorada/esposa o apoia e é compreensiva em relação ao que você faz, o retorno direto disso se dá no campo emocional, deixando você mais tranquilo para se concentrar no jogo. Se ela não aprovar que você jogue e não compreender isso como um trabalho, seus resultados no poker tendem a sofrer um prejuízo bastante sério.

No próximo exemplo, vou tentar transcrever com mais detalhes outra situação da vida real que afeta nossa lucratividade. Digamos que um jogador regular de NL200 utilize uma cadeira da mesa da sala para jogar. Ele disputa uma média de 70 mil mãos por mês e, normalmente, sua win rate fica em torno de 2 PTBBs (isso equivale dizer que ele ganha 4 big blinds a cada 100 mãos), de modo que sua rentabilidade costuma ficar próxima dos $5.600 mensais. Depois de dois anos usando essa cadeira, ele resolve comprar uma melhor, e começa a pesquisar. Nosso herói decide que não precisa ser uma “Aeron Chair” da Herman Miller, bastando ser uma cadeira confortável, na faixa dos $600.

Feito o investimento, vejamos os resultados: depois de algum tempo, ele percebeu que sua capacidade de “grindar” tinha aumentado – as 70 mil mãos de antigamente já não eram mais seu limite de produtividade, que subiu para 85 mil. Também a qualidade das mãos melhorou, uma vez que ele constatou que sua win rate agora estava em 2,2 PTBBs.

Numa análise simples e direta, porém plausível, vemos que a cadeira nova fez uma diferença importante na rentabilidade desse jogador, modificando o número e a qualidade das mãos de maneira substancial. Após esse upgrade no item “conforto no ambiente” (FM), ele passou a lucrar $8.480, uma diferença de quase $3 mil, mais da metade do que ele ganhava. Foi um bom investimento? Acredito que sim.

Pode parecer exagero, mas esse tipo de mudança é real. Se levarmos em conta valores absolutos, no final do mês a diferença parece ser grande. Mas na verdade, nesse exemplo, o jogador que estava acostumado a disputar uma média de 2.350 mãos por dia, conseguiu passar a jogar 500 a mais por estar em uma cadeira decente, e a qualidade das mãos aumentou 0,2 PTBBs graças à melhora na concentração. Também não podemos esquecer outros efeitos indiretos de quando nos mantemos mais tempo focados praticando o jogo. Lembre-se: estamos o tempo todo numa corda bamba em que tudo está interligado – melhorando um aspecto você acaba aprimorando quase todos outros. (O contrário, infelizmente, também é verdade).

Mas, atenção, não se engane: a administração do bankroll serve de suporte para a evolução do seu jogo! Como eu disse, essas aquisições realmente fazem com que a qualidade do seu jogo aumente, mas você terá que fazer os mesmos investimentos que faz ao subir de nível (move up). E, do mesmo modo que você não deve passar a jogar em um limite superior se não tiver os buy-ins necessários para suportar a variância, o mesmo vale para esses investimentos. Como de costume, sua mente quer “lhe passar a perna”, e você acaba muitas vezes sendo dominado por ela. Não compre o home theater mais caro do mercado para escutar o barulhinho das mesas online – tente entender suas necessidades e seja coerente com elas. A cadeira serve como um bom exemplo, mas talvez haja elementos até mais importantes, como um monitor maior, em que as mesas não fiquem sobrepostas e caibam em maior quantidade na tela.

Também é possível aumentar a qualidade dos nossos jogos se, digamos, estivermos em um ambiente silencioso. Para os mais jovens, é importante pensar se não é o caso de morar sozinho, trabalhando de acordo com o próprio horário, num ambiente montado ao seu próprio gosto, sem ser perturbado por ninguém. (Por falar nisso, tenha em mente que, por mais que as pessoas aceitem o poker como um trabalho, quase ninguém de fora do meio entende direito os dilemas do jogador profissional. Então, até para evitar qualquer tipo de desgaste desnecessário, se você tiver condições de morar sozinho, isso não seria má ideia).

No final das contas, chegamos à conclusão de que é primordial ter um sólido conhecimento teórico do jogo, mas que o lado prático acaba sendo ainda mais importante. De nada adianta ser o maior teórico do mundo, se você não souber quando e onde aplicar esse conhecimento.

Portanto, olhe para sua vida como se fosse parte desse jogo, e jamais se esqueça de que todos os elementos de dentro e de fora da mesa estão interligados. Está cada vez mais difícil ter um bom retorno financeiro no poker, então ou você mergulha de cabeça e se prepara para esses desafios ou vai ficar por aí chorando suas bad beats.




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