EDIÇÃO 30 » ESTRATÉGIAS E ANÁLISES

O Poker e o autoconhecimento

A Consciência de Disciplina Dentro e Fora das Mesas – Parte I


André Dexx

Depois de muito tempo pensando no que é  – e no que não é – importante para nos tornarmos jogadores de poker bem sucedidos, senti-me na obrigação de passar adiante o conhecimento que venho adquirindo, e que faz cada vez mais sentido para mim. Neste artigo, vou falar sobre alguns pontos em que vejo muitos jogadores (até os renomados) pecarem, e onde estaria a raiz dessa questão. Aqui, caro leitor, tentarei despertar sua consciência para alguns aspectos do poker muitas vezes negligenciados, mas que são de fundamental importância para o sucesso nas mesas.

Mas antes, gostaria de me apresentar... Meu nome é André “Dexx” Paiva, tenho 21 anos e sou jogador profissional de poker há cerca de três anos, mais especificamente de cash game. Meu início no poker não foi diferente da situação das milhares de pessoas que lêem a CardPlayer Brasil todos os meses. Comecei de baixo, correndo atrás de promoções na internet, sem saber exatamente onde estava me metendo, e o quão complexo era aquele universo. Afinal, poderia um “joguinho de cartas” ser tão complicado assim?

Com o tempo fui melhorando, migrei dos freerolls para as mesas de sit-and-go, depois para os micro-stakes de cash, sempre procurando entender a essência do jogo e as variáveis envolvidas para ser um vencedor. Tendo entendido parte dessas variáveis (vamos conversar sobre algumas delas nesta edição) e buscando mais e mais conhecimento, hoje sou jogador de no-limit hold’em high-stakes, atualmente jogando em torno de 18 mesas simultâneas nos limites $2-$4, $3-$4, $5-$10 e $10-$20. Também tenho começado a ingressar no mundo do torneios live com bons resultados, que acredito serem o reflexo de muito empenho e da busca pela compreensão macro e microscópica dos aspectos que influenciam o jogo como um todo.

De volta ao nosso tema, acredito que seja possível ir direto à cura do problema de muitos jogadores com apenas uma palavra: disciplina. No campo militar, essa é a qualidade a ser perseguida pelos soldados, com o objetivo de torná-los aptos a não desviar da conduta padrão, desejável para o bem comum da tropa, mesmo sob extrema pressão física e mental. No poker é a mesma coisa, com a diferença de que, enquanto o milico trava uma guerra de geração em geração, você luta todos os dias contra o seu pior inimigo... Você!



Na ordem militar, em uma guerra, o soldado recebe uma missão individualmente e é responsável pelo seu cumprimento. O papel de cada membro da corporação é fundamental para a vitória coletiva e, às vezes, a falha de um integrante pode comprometer o resultado da operação inteira, levando seus companheiros à morte. A vida de um jogador de poker guarda semelhanças: substitua cada soldado por uma qualidade que um jogador precisa que ter, e troque a missão militar por aquela que o jogador tem de cumprir: ler os adversários, colocá-los em ranges e adaptar-se a eles, por exemplo. O seu campo de batalha é a mesa de poker, mas sua grande guerra é interna.

Observe quantos aspectos nós, jogadores de poker, devemos controlar ou aprimorar dentro e fora das mesas. Dentro da Mesa (DM): concentração, conhecimento teórico, gerenciamento de bankroll, frequência de movimentos no jogo, ajustes no jogo, lado emocional em fases boas e ruins, bad beats, leituras, notas etc. Fora da Mesa (FM): conforto, férias, família, amigos, namorada/esposa, balada, trabalho, faculdade, despesas, saúde etc.

Agora, tente tirar um ou dois itens da lista DM, ou ir de mal a pior em um ou dois itens FM. Se você der a sorte de ser bom o suficiente para se sobressair muito em algum desses elementos, talvez acabe batendo o rake para, pelo menos, pagar o alimento do mês. Isso tudo acontece porque cada item é como um soldado com uma missão e, quando ele falha, acaba comprometendo todo o grupo – no caso, o lucro.
Eu contei toda essa história e fiz toda essa analogia para explicar que o poker se joga dentro e fora das mesas. A partir disso, podemos chegar à conclusão de que, como o poker é um jogo em que o profissional tem uma taxa de vitória (win rate), ou seja, ele ganha por hora, e que cada hora pode valer mais ou menos dinheiro dependendo da sua habilidade, o fato de essa habilidade estar diretamente ligada aos itens citados implica dizer que eles representam mais dinheiro cada vez que você os controla ou aprimora.

Essa constatação parece óbvia quando falamos dos itens DM, mas poucas pessoas entendem que isso também serve para os FM. Assim como é +EV pagar um all-in pré-flop com A-A, ganhando mais de 80% das vezes, também é +EV respeitar seu bankroll, estudar ou pagar um coach para melhorar sua teoria, e por aí vai. Por mais que alguns itens não sejam mensuráveis, existe uma expectativa de valor por trás de cada um. Suponhamos o seguinte cenário: você pega um bom coach, pagando $1.800 pelos serviços, e ele lhe faz abrir os olhos para alguns leaks de 3-bet ou de tamanho de aposta, e outros de adaptações contra um oponente que dá muitos raises c-bet.



Antes do coach: você jogava lucrativamente 4/10 do seu potencial máximo, sendo, em termos de lucro, perfeito em suas jogadas de 3-bet. Você jogava lucrativamente 2/10 do seu potencial máximo, sendo, novamente em termos de lucro, perfeito em suas jogadas de adaptação contra oponentes que dão muito raise c-bet. Finalmente, você jogava de maneira lucrativa 3/10 do seu potencial máximo, sendo, em termos de lucro, perfeito em suas jogadas de variação de tamanho de aposta.

Depois do coach: você passou a jogar lucrativamente 5/10 do seu potencial máximo, sendo, em termos de lucro, perfeito em suas jogadas de 3-bet. Você passou a jogar de maneira lucrativa 4/10 do seu potencial máximo, sendo lucrativamente perfeito em suas jogadas de adaptação contra oponentes que dão muitos raises c-bet. Você passou a jogar lucrativamente 5/10 do seu potencial máximo, sendo, em termos de lucro, perfeito em suas jogadas de variação de tamanho de aposta.

De forma hipotética (embora esses números sejam bastante plausíveis), concluímos que, se a fração inteira (10/10) fosse o lucro mensal dessas jogadas no final de cada mês, então, no total, lucramos $600 a mais do que normalmente lucrávamos antes do coach. Já que as aulas custaram $1.800, vemos que, em três meses, o investimento se paga.

Esses exemplos matemáticos são mais facilmente aceitos quando o exemplo é um coach, porque as habilidades ensinadas estão diretamente ligadas ao win rate. No entanto, é mais difícil aceitar ou perceber o quanto é lucrativo organizar e melhorar os itens FM. Por quê? Pelo fato de que seus efeitos repercutem de forma indireta!

Mas esse é  um assunto para a próxima edição, quando então veremos por que a alteração em um dos itens é capaz de interferir nos demais, tanto dentro quanto fora da mesa. Até lá!




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