EDIÇÃO 3 » COLUNA INTERNACIONAL

Deep-Stack Poker

Uma partida educativa


Daniel Negreanu

Estive recentemente em Los Angeles, antes de uma maratona de viagens que me levará para Manila, Filipinas, Barcelona, Espanha, Londres, Inglaterra (para dois eventos), e depois de volta a Las Vegas. O propósito de eu ter ido a L.A. foi a gravação ao vivo de um programa educativo online que tem me empolgado bastante. Vários de meus amigos foram se juntar a mim, incluindo jogadores como Paul Wasicka e Kirk Morrison, além de outros profissionais que você pode não reconhecer pelo nome.

O objetivo era montar uma partida com um grupo de jogadores com vários níveis de habilidade. Então, ao mesmo tempo em que havia grandes profissionais, também tínhamos iniciantes e muitos jogadores intermediários. As apostas eram pequenas, mas como o propósito do jogo era puramente educativo, todos os envolvidos levaram a coisa toda muito a sério. Depois de cerca de oito horas de filmagem de um cash game de $1-$2, terminamos com algumas mãos sensacionais que poderemos dissecar depois. Em minha opinião, não há maneira melhor de se ensinar poker do que pegar exemplos reais e analisar as jogadas de todos os envolvidos na mão. A situação seguinte é uma excelente demonstração de como há coisas para se aprender em apenas uma mão de poker:

Os blinds estavam em $1-$2, e “Al Smooth”, um notável jogador da Internet advindo dos fóruns do Full Contact Poker, entrou de limp sendo o primeiro a falar. Outro jogador também entrou de limp, e um de nossos residentes amadores deu um raise mínimo, de $4. Uma jogada assim é algo que eu jamais teria recomendado! Logo ao lado, Ted Park, que tinha ganhado dinheiro no Main Event do World Series of Poker por dois anos consecutivos, aumentou para $16.

Todos os outros desistiram até a ação chegar em mim, no big blind, e eu vi que tinha K-K. Todos na mesa tinham $1.000 cada, então, se eu fosse entrar em um grande pote nessa situação, é natural que a única mão que eu enfrentaria seria a única que poderia me vencer — um par de ases. Na verdade, eu estava mesmo preocupado com a hipótese de Ted ter exatamente isso, com base no raise dele. Aumentar apenas para $16 indicava claramente que ele estava buscando ação. Eu achava que, se ele quisesse que todos saíssem, teria aumentado para $20-$24.

K-K é uma mão muito forte para ser descartada, é claro, então eu decidi pagar a aposta para ver o que acontecia. Al Smooth também pagou, assim como o outro limper, meu carregador de tacos de golfe, um aspirante chamado Josh Armstrong. Nosso amador residente, que tinha feito o primeiro aumento, deu fold.
O flop veio 987. E foi terrível para minha mão, especialmente porque eu estava numa péssima posição e contra dois limpers que tinham pago um raise. Decidi pedir mesa, e os dois limpers fizeram a mesma coisa. Ted apostou $75, e agora eu estava imprensado. Optei por pagar, com a intenção de desistir se algum dos limpers subisse a aposta. Contudo, depois do meu call, ambos deram fold, e ficamos eu e Ted no heads-up.

A carta do turn foi a Q, outra carta aparentemente nociva para mim, pois agora eu não poderia ganhar de A-A nem de Q-Q. Pedi mesa de novo, e, dessa vez, Ted apostou $200. Nesse momento, eu olhei para ele e disse: “Acho que você tem um par de ases aí, Ted”. Eu tinha quase certeza que o bordo com 9-8-7 não o tinha ajudado, então minha decisão tinha ficado mais difícil.

Como minha mão estava bem disfarçada, parecia que eu tinha um draw bastante forte nessa situação. Mas o que eu realmente tinha era um par forte, que poderia ser bom se Ted estivesse apostando com J-J. E, como eu tinha jogado de mansinho até então, eu não achava que poderia simplesmente pedir mesa e depois desistir no turn; no entanto, eu precisava de um plano para o river, caso viesse uma carta perigosa. Então, já que eu estava jogando como se tivesse uma queda, o que eu faria se tivesse acertado minha suposta mão? Depois de pensar um pouco, decidi que agiria da seguinte maneira: se uma carta que indicasse uma seqüência ou um flush surgisse no river, eu apostaria alto, na esperança de fazer com que Ted desistisse de seu par de ases. Se nada de útil aparecesse, eu iria pedir mesa com K-K, esperando que essa fosse uma mão muito boa. Se Ted apostasse no river, eu então reavaliaria a situação, mas provavelmente desistiria diante de uma aposta alta e pagaria uma pequena.

A carta do river foi um Rei! E eu acho que era a carta que eu menos esperava que aparecesse. Agora meu dilema era totalmente outro: Eu deveria pedir mesa, na esperança que ele apostasse, ou deveria apostar alto, já que ele acharia que era um blefe?

Finalmente decidi que dar check-raise não seria a melhor opção para convencer Ted, então apostei logo $450. Ted começou a falar: “Eu não acho que você tenha rei-nove. Eu acho que você tem rei-dez de paus e acertou um par. Eu pago”. Eu mostrei K-K a Ted e ele virou um par de ases: “você imaginou certo”.

Cash games deep-stack se desenvolvem de modo muito diferente de uma partida com buy-ins pequenos, e esse foi um exemplo perfeito disso. Imagine se eu e Ted tivéssemos na nossa frente $80 cada, em vez de $1.000. Nesse caso, já entraríamos de all-in antes do flop. Esse é um aspecto do poker que eu não chamaria exatamente de “bonito”. Claro, é preciso fazer esse tipo de coisa nos estágios finais dos torneios, mas isso não é um grande teste de habilidade, como nos cash games. Aprender a jogar esse tipo de mão estando deep-stack irá ajudar imensamente seu jogo, e com esse novo programa de treinamento que estou desenvolvendo, o foco principal será sobre como se deve jogar com mãos medianas depois do flop. Com todas as variáveis presentes aqui, eu posso escrever um livro de 100 páginas apenas sobre essa mão!




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