EDIÇÃO 29 » COLUNA NACIONAL

Value Bet e a evolução de conceitos


Christian Kruel

Essa semana, consegui um resultado muito bacana online. Eu, que de uns meses para cá diminuí muito minha quantidade de MTTs, por falta de vontade mesmo, resolvi encarar o evento #1 do mini FTOPS, pelo desafio e pela vontade de jogar contra oponentes de diversos níveis técnicos e, assim, avaliar minhas decisões.

Bem, quando a gente quer muito uma coisa e está focado nisso, ela de fato acontece: acabei tirando 4º lugar num field de quase 17.000 pessoas. Queria muito ter vencido, pelo desafio em si – não me lembro de ter jogado tão bem online na carreira e pretendo usar esse torneio como ferramenta de estudo para mim e para dividir com vocês alguns conceitos, como o desta edição.

Esse ano li vários artigos, tópicos e discussões em fóruns sobre apostas pelo valor, as “value bets”, assunto que, aparentemente batido, ainda causa dúvidas e controvérsias. Primeiro, é necessário voltar alguns anos no passado, mais precisamente para 2004, nos primórdios do Clube do Poker, onde praticamante só eu, Raul, e, em menor escala, meus amigos Renzo, Bello e Dedé, discutíamos sobre o jogo e as teorias disponíveis. Eu e Raul éramos os mais técnicos e estudiosos, enquanto Renzo era o cara que fazia muitas perguntas e queria respostas lógicas que a gente nem sempre podia dar, até mesmo porque faltava material especializado e nem sempre os conceitos colocados eram explicados de forma clara. A gente jogava muito pelo feeling.

Num determinado dia, recebi um email do Renzo reclamando que ele não conseguia entender muito bem o conceito de aposta pelo valor do Livro “Teoria do Poker” e me pedia ajuda. Eu me lembro que naquela época esse era realmente um conceito muito difícil de ser dominado, porque parte-se do princípio de que você deve fazer uma aposta para ser paga por uma mão pior ou para não ser paga por uma mão melhor e, naquela época, sem outros conceitos fortes como range de mãos iniciais e posição, ficava realmente difícil casar as informações de forma precisa.

Hoje, com a evolução do jogo, temos uma série de outros conceitos em voga que nos ajudam a enteder melhor não só o conceito da value bet, como também aprimorar o seu uso e lançar mão dessa arma em situações nas quais antes não seria aplicada.

O principal deles é o conceito de stacks efetivos versus posição. Diante desses dois fatores, bem como da sua imagem, nós podemos, com razoável margem de certeza, colocá-lo num range aproximado de mãos jogáveis nessas determinadas circunstâncias. O que isso quer dizer? Que podemos explorar melhor o conceito de aposta pelo valor, tendo a certeza de que um oponente pode, por exemplo, descartar a parte de baixo do range dele depois de um aumento.

Atualmente, pelo que vimos nos artigos e fóruns, a value bet é tida como a aposta feita para receber calls de mãos piores e folds de mãos melhores. Esse conceito é válido e forte, mas padece de um pequeno problema, que nós vamos analisar agora.

Com esse conceito arraigado na cabeça dos jogadores, qual seja, de que você não deve apostar caso sinta que só vai ser pago por uma mão melhor, muitas das vezes em que você realmente tem a mão melhor e não aposta, perde a chance de encerrar a mão ali mesmo e levar um pote que poderia perder caso não fizesse uma aposta teoricamente sem valor.

Vamos a um exemplo de início de torneio.

Mesa cheia, todos os nove jogadores com 1.500 fichas. O UTG dá limp de $20 fichas, com blinds 10/20. O MP aumenta para $140 no cutoff, e eu resolvo dar apenas call no button, com par de cinco. O flop abre 2x6x6x. O UTG pede mesa, o raiser inicial também, e a ação chega até mim. Faz sentido pensar que, ao apostar aqui, alguma mão pior que a minha me dará ação nesse início de torneio, em que as pessoas jogam mais tight? E que alguma mão melhor daria fold? A grande maioria dirá que não, mas pensem bem: o UTG entrou de limp e não apostou. O raiser inicial também não apostou, apesar de ter um flop relativamente seguro. Se ele tivesse pares como 77+, certamente teria apostado ante a ação pré-flop, com bets e raises.

Quando a mão chega em fold até mim, eu praticamente tenho a certeza de que meu par de cinco é a melhor mão da mesa e que meus oponentes têm overcards. Porém, pelo flop duro e baixo, eu igualmente posso ter a certeza de que uma aposta aqui só seria paga por mãos melhores do que a minha, tornando-a sem valor. Então eu não deveria apostar aqui, certo? Errado!

Aqui está uma exceção que poucas pessoas entendem. Apesar de eu provavelmente ter a melhor mão e não ser pago por mãos piores (talvez A-K e A-Q, em alguns casos), provavelmente estou enfrentando quatro overcards e não sou favorito para vencer a mão. Vamos às estatísticas:

O CENÁRIO, EM NÚMEROS:
Nós: 5d5h (39%)
Vilão 1: ATs+,KTs+,QTs+,JTs,ATo+,KTo+,QTo+,JTo (29%)
Vilão 2: ATs+,KTs+,QTs+,JTs,ATo+,KTo+,QTo+,JTo (30%)

Apesar de ser o favorito individual, na verdade você tem 59% de chances de perder uma mão que está ganhando. Logo, nós temos aqui mais uma utilização para a value bet, já que, ao fazer essa aposta, você "bota para correr" os 59% de chances que tinha para perder a mão.

Logo, depois de mais alguns anos de estudo e evolução no jogo, percebemos mais uma importante utilização para a value bet, qual seja, apostas precisas em momentos cruciais que podem encerrar um pote que, teoricamente, poderia se complicar sem showdown. Isso é particularmente importante em torneios multitable em que não podemos comprar mais fichas após perdermos as nossas, ao contrário das mesas de cash game.

Então vou deixar esse gancho aberto para que, no próximo artigo, possamos falar da situação em que é importante vencer potes sem showdown. Outra coisa: este artigo tem uma visão e um entendimento muito subjetivos, portanto, fiquem à vontade para debater e discutir seu conteúdo.

Próxima parada: Bahamas. Conto com a torcida de vocês!




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