EDIÇÃO 27 » COLUNA NACIONAL

Para Onde Vai O Poker?


Christian Kruel

Acabei de voltar de Londres, onde por muito pouco não entrei em uma preciosa mesa final. De qualquer forma, foi uma experiência impagável! Valeria muito a pena falar de diversas situações da WSOPE aqui, mas, nesta edição, fugirei um pouco do meu perfil e falarei sobre algo em que penso bastante: os bastidores do poker.

Nos últimos vinte anos, dois norte-americanos dominaram o Circuito Mundial de Surfe Profissional. Atuando em épocas distintas, o californiano Tom Curren e o nativo da Flórida Kelly Slater se destacaram dos demais atletas de suas épocas em todos os aspectos. Porém, enquanto Curren conquistou "apenas" três títulos mundiais, Slater faturou o mundial nove vezes. Mas, se eles tinham a mesma habilidade e a mesma superioridade em relação aos oponentes, porque tanta diferença assim? A resposta é fácil: variância!
 
No surfe, assim como no poker, prepondera a habilidade. Só que o surfe depende da natureza, na medida em que esta produz ondas, que por sua vez que são utilizadas pelos surfistas durante as competições. Assim como existem cartas boas e ruins no mesmo baralho, existem ondas boas e ruins na mesma praia.
 
Na época de Curren, os competidores disputavam baterias de curta duração, de cerca de 15 ou 20 minutos. Em alguns casos, somavam-se as quatro melhores ondas e, em outros, as três melhores. O surfista tinha um curto período de tempo para achar e surfar o maior número de ondas possível e, enquanto não conseguisse surfar o limite mínimo de ondas estabelecido para a soma de notas, não podia se dar ao luxo de escolher as melhores ondas, pois não podia correr o risco de ficar sem pontuação.
 
Além disso, os campeonatos tinham dia e hora para começar e acabar, e as baterias eram disputadas em quaisquer condições, ou seja, com mar bom ou ruim. Esses fatores transformavam alguns torneios em verdadeiras loterias e, por isso, nem sempre vencia o melhor.
 
Atualmente, visando modernizar os campeonatos, a Associação de Surfe Profissional (ASP) adotou algumas mudanças radicais. As baterias passaram a ser mais longas, com no mínimo 30 minutos. Quanto às notas, em vez de quatro ou três, passou-se a se levar em consideração apenas as duas melhores. Além disso, foi criado um período de espera nos torneios, que, a partir daí, só se realizam com boas ondas. Caso elas por acaso piorem, o torneio é paralisado, sendo reiniciado no dia seguinte, na mesma praia ou numa praia próxima com boas condições. E para finalizar, as etapas principais passaram a se concentrar nas melhores praias do planeta. Assim, concedeu-se aos melhores atletas do mundo a possibilidade de competir em igualdade de condições, e isso deu ao norte-americano Kelly Slater a possibilidade de se sobressair durante nove temporadas. Com inteligência, a ASP acabou com a variância no surfe!
 
Assim como o surfe buscou sair do estigma da marginalização e ser regulamentado como esporte no início dos anos oitenta, o poker trilha hoje caminho semelhante, buscando reconhecimento e regulamentação da atividade. Porém, a jornada é bem mais nebulosa, porque, ao contrário do surfe, a variância é quem garante o nivelamento por baixo, que é estritamente necessário para a sobrevivência do poker no longo prazo. No poker, o profissional consegue seu lucro, na grande maioria dos casos, sobre os jogadores mais fracos, e a contrapartida é que os mais fracos, para continuar jogando, precisam vencer. Não existe pescaria lucrativa sem peixes no mar.
 
Jogos de alta variância proporcionam ao jogador menos talentoso uma sensação de poder de igualdade diante dos mais fortes. Por isso temos presenciado uma proliferação em massa dos torneios tipo turbo e superturbo nas salas de poker online. O aumento na oferta de jogos de alta variância é uma tendência que vem se concretizando neste ano de 2009.
 
Por outro lado, até mesmo para que o público leigo e a imprensa esportiva encarem o poker como esporte, entendo que é estritamente necessário criarmos mecanismos para garantir disputas entre profissionais de alto nível com sistemas de baixa variância, como aconteceu com o surfe. Foi o que ocorreu agora no torneio da WSOP Europe, que contou com uma estrutura extremamente deep!
 
O poker vem crescendo ao longo da última década, mas nós ainda não temos um circuito mundial oficial. Não me entendam mal, é lógico que campeões de braceletes, WPTs, EPTs, por exemplo, são campeões mundiais, mas nós não temos um campeão mundial oficial, temos diversos meios de comunicação que determinam o seu “Jogador do Ano”, utilizando vários critérios diferentes.
 
Talvez você não concorde plenamente comigo, mas eu acho apenas que os diversos rankings existentes na imprensa especializada não possuem critérios padronizados. O campeão do Main Event da WSOP não é necessariamente o melhor jogador do ano ou o “campeão mundial”, e alguns campeões da WSOP são até mesmo alvo de deboche. O que quero reforçar aqui com meu ponto de vista é que eu acredito que, no longo prazo, deve-se criar uma maior padronização.
 
Se conseguir vencer esse desafio, o poker poderá vir a ser encarado de maneira mais séria por possíveis investidores com interesse nesse crescente mercado. Quando tivermos um ranking mundial unificado, poderemos ter torneios fechados, limitados aos melhores do ranking e com injeção de patrocínio na premiação através de contratos de publicidade para exibição nas TVs aberta e fechada. A premiação dos jogadores não deveria se restringir apenas ao buy-in de quem joga, mas, a exemplo do que acontece em outros esportes, os jogadores poderiam ter patrocínios pessoais para roupas e acessórios, passando a ter sua imagem explorada não apenas em propagandas de poker rooms.
 
Sei que o desafio não é fácil, mas considero irreversível o caminho em direção a termos, em pouco tempo, um Circuito Mundial oficial, com ranking padronizado e um campeão ao final do ano em sistemas de baixa variância, de modo que o poker seja reconhecido mundialmente como esporte, inclusive por aqueles que não o praticam.




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