EDIÇÃO 24 » COLUNA NACIONAL

"Mixando o Jogo" ou "Baralhando"?

Nem todo mundo aprendeu a diferença


Christian Kruel

Quem nunca ouviu alguém dizer que estava “mixando o jogo” para explicar um determinado movimento que, no final das contas, acabou por custar o torneio dessa pessoa? E posso apostar que vocês costumam ouvir lamentos desse tipo com freqüência, não é verdade? É muito comum as pessoas não admitirem seus erros e procurarem alguma desculpa para justificar os seus fracassos. Neste artigo vamos explicar o que é – e o que não é – “mixar o jogo”.

O termo obviamente surgiu da literatura disponível em língua inglesa, mas a questão é que alguns autores utilizavam-no para explicar situações diferentes, mas, que num determinado contexto, tinham uma mesma linha de raciocínio por trás. O grande problema dessas situações é que, nos exemplos oferecidos, os leitores, na grande maioria das vezes, se apegavam mais ao movimento que era exe-cutado no exemplo do livro do que ao raciocínio embutido nele.

Vamos tentar dar um exemplo: o herói dá raise de 2x BB do button, com AKs, num sit-and-go heads-up, contra um vilão tight-aggressive, numa situação de 70 big blinds efetivos, para mixar o jogo.

Quando nos deparamos com uma situação assim, quase sempre achamos que o jogo foi mixado porque foi dado um raise baixo com uma mão forte numa situação em que um aumento maior seria padrão, e logo concluímos que o intuito do movimento foi o de “enganar” o vilão. Ao gravar isso, o leitor simplesmente perde a lição do autor e acaba aprendendo errado: movimentos feitos para enganar o vilão geralmente são conhecidos como “traps”, ou armadilhas, e preparar essas arapucas não tem nada a ver com mixar o jogo.

Todo jogo de poker, seja torneio, SNG ou cash game, possui uma linha de raciocínio padrão de acordo com o limite em que estamos. Voltando ao exemplo do SNG Heads-up, tem-se por padrão abrir raises de 3x BB, 2,5x BB e 2x BB, de acordo com os stacks efetivos da mão. Essa é a linha convencional – outras linhas são exceções. E quando você adota o caminho da exceção no poker, necessariamente precisa ter um motivo, para não correr o fatal risco de estar apenas “baralhando”.

Nós temos então uma situação em que um raise de três vezes o big blind deveria ter sido aplicado. O herói preferiu aumentar 2x BB para mixar o jogo, por se tratar de um oponente tight. O que isso quer dizer exatamente? Vamos explorar melhor a situação... O que é um jogador tight? Num heads-up sit-and-go, é o jogador que joga muito no button (até 100% das mãos) e pouco no big blind. Por que ele faz isso? Porque a posição é um fator preponderante no heads-up. Logo, o jogador tight é agressivo em posição e joga muito pouco fora de posição. Se esse oponente joga pouco fora de posição, isso significa que o tamanho do raise padrão pode ser diminuído, por quê? Pelo fato de que ele joga pouco fora de posição e está propenso a dar fold diante de qualquer raise, seja ele de 2 ou 3 vezes o tamanho do big blind.

Enquanto os desatentos acharem que “mixar o jogo” é “dar mini-raise de AKs contra o jogador tight”, a verdadeira lição – “trocar o raise padrão contra oponentes tight” – nem de perto terá sido assimilada. Provavelmente, quando sair com Q3o contra o mesmo adversário tight, quem não entendeu a mensagem vai sair disparando os 3x BB padrão de raise.

Podemos afirmar que no poker existe uma linha padrão. Se esse raciocínio pode ou não mudar na medida em que o tempo passa, pouco importa, pois o fato de uma linha de jogo se alterar não quer dizer que não exista um procedimento padrão. Sair dessa linha com uma motivação concreta (jogador definido como tight), uma finalidade válida (diminuir o investimento pré-flop para roubar o pingo), tendo um objetivo (explorar o fato de o oponente jogar pouco fora de posição) e um plano traçado (o que fazer nas outras streets, caso o pote não acabe pré-flop) é mixar o jogo. O resto é “baralhar” sem lógica.

Mudando o foco, não posso deixar de parabenizar a CardPlayer Brasil por esses dois anos de enorme sucesso e apoio ao Texas Hold´em num país onde isso ainda é tão difícil. Sinto que aos poucos estamos vencendo o preconceito, e desse objetivo não vou desistir enquanto estiver vivo!

Quero também agradecer muito o espaço e a importância que a revista me concede, assim como o grande carinho dos leitores. Esses fatores somados me fizeram buscar ainda mais uma evolução na qualidade dos meus textos, e que, pelas críticas que recebo, acredito estar alcançando. Espero melhorar sempre e conseguir organizar mais e mais minhas experiências em torneios ao vivo, pois ainda deixo muita discussão interessante passar em branco. Mas, como todos nós sabemos, de mole essa vida não tem nada. (risos)

No mês que vem nos encontraremos novamente! E mais uma vez: parabéns – e obrigado – CardPlayer Brasil! Grande abraço!




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