EDIÇÃO 20 » ESTRATÉGIAS E ANÁLISES

Fator Surpresa

Entendendo o Cold Call


Felipe Mojave

Olá, galera da CardPlayer Brasil, tudo bem? Antes de tudo, queria agradecer a torcida e o carinho de todos na mesa final do evento #16 do FTOPS de Omaha High-Low do Full Tilt, e no Sunday 500K do PokerStars. Fiquei muito satisfeito, pois são mais duas final tables importantes que vou guardar no meu currículo.
Nesta coluna resolvi escrever sobre “cold call”, pois se trata de uma jogada em que as pessoas costumam cometer muitos erros nos torneios multi-table. Para isso, explicarei o conceito do move e depois darei um exemplo prático, no qual meu colega Glauber Soares, de Belo Horizonte, Campeão Mineiro de 2008, consultou-me especificamente sobre esta jogada.

Como muitos sabem, trabalhei por seis anos numa instituição financeira, no mundo dos negócios, especificamente em vendas. Nessa época tive contato com o conceito de “cold call”, que é uma tática de aproximação com o cliente, em geral feita via telefone, quando o mesmo não espera o contato. Normalmente, chama-se muito a atenção do consumidor, vez que essa abordagem é feita através de perguntas específicas e diretas, e se torna uma surpresa para ele, que não esperava tanta interação. Neste caso, a palavra cold (frio, em inglês) é usada na composição da expressão justamente pelo fato de a pessoa que recebe a ligação não ter solicitado nenhum contato, ou simplesmente porque ela não está esperando qualquer telefonema – é o famoso tele-marketing.

No poker, o sentido é muito similar: “cold call” significa abordar seu adversário de maneira brusca, inespe-rada e incisiva. É uma jogada que pode dar a conotação de muita força, medo ou fraqueza, por isso é tão perigosa.

Tecnicamente, seria apenas dar call quando encontrar pela frente mais de uma aposta numa ação simples. Se um oponente aposta, outro aumenta e você paga, acabou de aplicar um cold call.
Na prática, o quanto mais longe você ficar desse move em torneios multi-table, melhor. Por quê? Vejamos este exemplo: depois de um limp do UTG e reraise do cut-off, o big blind apenas paga o reaumento. O que chama a atenção nessa jogada? Simples, o fato de o big blind não se importar com o limper que ainda vai falar pré-flop, fora de posição. Isso pode confundir todo mundo e tornar a jogada obscura, deixando ambas as partes mais suscetíveis a erros.

É claro que, sabendo empregá-lo corretamente e com um timing adequado, pode ser uma jogada extremamente lucrativa. E é por isso que você leu este artigo até aqui: para aprender quando empregá-lo e quando evitá-lo. Para tanto, criei três regras básicas:

I – Sua estratégia de cold call deve coincidir com seu estilo de jogo e com o perfil de seus adversários, 100% das vezes.
II – Haverá momentos em que será melhor dar fold em uma mão grande do que aplicar o cold call. Isso vai depender da sua posição e da leitura que tiver dos oponentes.
III – Em outra oportunidade, você poderá aplicar um cold call em vez do reraise ou do four-bet, aumentando consideravelmente suas implied odds.

Quais mãos jogar? Como eu disse, isso advém da primeira regra que enumerei. Não mude seu estilo de jogo para aplicar uma jogada, pois a chance de você se confundir e perder muitas fichas é bem grande.
Mas não vou ficar em cima do muro. Se você não tiver no mínimo JJ ou AQ naipado, eu aconselho dar fold. Perfis mais agressivos aplicam cold calls até com suited connectors, por conta das implied odds de que falei há pouco, mas eu particularmente não gosto desse movimento. Imagine que numa situação de jogo comum, você aplicou um cold call no button com 77. O limper deu fold, e o flop veio 2-5-6 rainbow. Pode-se perder muitas fichas nessa situação ou até largar a melhor mão, pois você não tem informação nenhuma acerca das cartas do oponente. Portanto, tome muito cuidado.
Vamos dar uma olhada em duas situações.

Situação A
UTG entra de limp e um jogador loose no meio da mesa dá raise de 4 vezes o big blind. Você tem QQ no button. Por que não aplicar o cold call e ficar heads-up ou three-handed em posição, com um jogo que provavelmente é a melhor mão pré-flop? A estatística está ao seu lado: seja criativo.

Situação B
Jogador em middle position abre raise para 3,5 vezes o blind, e você tem 56s em late position. Cold call? Claro, por que não?! Tudo depende do perfil dos oponentes. Obviamente, se na sua mesa tiver um jogador hiper-agressivo dando reraise em todas as mãos, você vai evitar essa situação.
Em minha opinião, quanto mais tight a mesa, mais cold calls se pode executar, inclusive fora de posição.
Agora, analisemos a jogada com que o Glauber se deparou num torneio.

Com uma estrutura de 5 mil fichas iniciais, com rebuy, e blinds de 20 minutos, Glauber (sólido) tem 6 mil fichas pós rebuy, nos blinds 100/200. UTG entra de limp e middle position dá raise para 800 (agressivo). Com KJ no small blind, Glauber dá call de mais 700 e vê o UTG completar. O flop vem Kx-9-6. Há 2600 no pote e ele dispara all-in, tomando call de A3, que acaba acertando um flush.

Analisando a jogada – que parece bastante normal –, vê-se que o call fora de posição com KJ, diante dessa relação stack-blinds, é o tipo de mão em que você pode perder muitas fichas ao aplicar o cold call. Nesse caso, as opções seriam:

CALL (errado)
Já que ele está no small blind com uma mão bem marginal (KJs), o call seria a última opção, mesmo que os adversários estivessem aumentando sem nada e jogando solto. Afinal, na maioria das vezes ele vai errar o flop e terá que pedir mesa, dando a oportunidade de os dois oponentes verem o flop em posição. Mesmo acertando, corre-se o sério risco de estar perdendo, pois não se tem idéia das cartas dos adversários. Há também a possibilidade de o UTG dar reraise pré-flop, perdendo os 800 já investidos, que, nesse caso, representa quase 15% do stack do Glauber.

RERAISE (possível)
Levando em conta que o jogador que deu raise é bastante agressivo, e que Glauber está numa posição na qual um aumento geralmente é bem respeitado (blinds). Reforçado pela sua imagem de jogador sólido, um reraise entre 1800-2200 fichas seria uma grande oportunidade de tirar UTG e o Middle  Position da mão antes do flop.

FOLD (correto)
Já que ele tem um jogo mediano e está fora de posição contra um limp indefinido e um jogador agressivo, o fold é uma alternativa muito boa. Acredito que seja a melhor decisão para essa mão.

Vale frisar que essas dicas são voltadas para torneios multi-table, em que o cold call fica frágil, vulnerável e caro. Por outro lado, em cash games, não vejo problema algum em dar call de 4 big blinds com KJs.

Importante lembrar também que o bom jogador de poker é aquele que toma as decisões corretas na grande maioria das vezes. Já o “fora-de-série”, além de tudo isso, enxerga as oportunidades nas situações comuns, e aí fazem a diferença.

Espero que com esses comentários vocês entendam melhor como funciona a tática do cold call, e assim consigam aplicá-la corretamente.




NESTA EDIÇÃO



A CardPlayer Brasil™ é um produto da Raise Editora. © 2007-2024. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.

Lançada em Julho de 2007, a Card Player Brasil reúne o melhor conteúdo das edições Americana e Européia. Matérias exclusivas sobre o poker no Brasil e na América Latina, time de colunistas nacionais composto pelos jogadores mais renomados do Brasil. A revista é voltada para pessoas conectadas às mais modernas tendências mundiais de comportamento e consumo.


contato@cardplayer.com.br
31 3225-2123
LEIA TAMBÉM!×