EDIÇÃO 20 » COLUNA NACIONAL

Avaliando o range de seu adversário


Igor Federal

A diferença entre o poker e jogos como o xadrez é que, nestes, as peças estão à vista de todos, enquanto no primeiro, as informações são incompletas.

A diferença entre o poker e os jogos de azar é que, no cassino, os jogos são estatísticos de informação completa: por mais que você jogue com desvantagem estatística em relação ao cassino, indubitavelmente as informações dos jogos estão completas, visíveis na mesa e todos têm acesso a elas. Quanto ao poker, trata-se de um jogo estatístico de informação incompleta.

Ao sentar-se numa mesa, você conhece a estrutura do jogo (regras, blinds, modalidade etc.). Pode-se observar os stacks de todos os jogadores, o tamanho de cada pote, as cartas comunitárias, as reações físicas das pessoas ao enfrentarem as apostas e uma série de outras informações que deverão ajudá-lo a tomar suas decisões.

No entanto, há uma informação que não fica disponível a todos os jogadores da mesa: as cartas dos demais jogadores.

Logicamente, não podemos simplesmente pedir licença aos demais adversários para olhar cartas deles antes de tomarmos a nossa decisão. Assim, um bom jogador de poker deve saber reunir e relacionar o maior número de informações disponíveis, para, a partir delas, inferir os dados que estão ocultos, ou seja, intuir com que cartas os demais oponentes estão jogando.

Compreender o modo como o jogador a sua frente analisa as situações-problema que o jogo seguidamente lhe propõe e como ele reage a cada uma delas é a habilidade mais difícil de se dominar numa mesa de poker. Difícil porque extremamente complexa: além das cartas da sua mão e das comunitárias, o comportamento de cada oponente é constantemente influenciado pelas decisões das demais pessoas envolvidas na mão. Enquanto determinados jogadores adotam padrões de apostas facilmente perceptíveis, outros mais atentos variam quando notam que estão sendo observados. Além disso, algumas vezes, fatores externos à dinâmica própria do jogo podem afetar o comportamento de algum jogador, como, por exemplo, receber um telefonema no meio de uma mão.

Essa complexa dinâmica comportamental faz do jogo de poker um excelente exercício de raciocínio lógico, matemático e de memória, sendo inclusive recomendado para pessoas que apresentam prejuízo dessas áreas com o avanço da idade.

Vamos tentar entender como funciona esse raciocínio lógico através da seguinte situação:

Cash Game live, blinds 5-10, todos os jogadores com aproximadamente 3.000 fichas. Oito pessoas à mesa. Logo após dois darem fold, você decide subir a aposta para 30 com AT. Outros dois jogadores também largam. Um simpático homem, vestindo um belo terno com camisa aberta e algumas correntes à mostra e fumando charuto paga sua aposta, que também é paga pelo garoto discreto de boné de está no big blind ouvindo o seu iPod.

O flop para três jogadores vem com T93, dando-lhe o maior par da mesa. O garoto do boné dá check e é sua vez de agir. Como acertou uma boa mão no flop, você decide apostar algo próximo ao que tem no pote, e pega uma ficha de 100 e joga na mesa. O jogador com o dealer na frente prontamente paga, e o garoto que estava na posição de big blind dá fold.

Avaliando a situação: você sabe que esse jogador, que até agora se mostrou bastante ativo e agressivo, provavelmente daria reraise pré-flop com qualquer par maior que as cartas do bordo (JJ, QQ, KK e AA) e, contra dois oponentes e um bordo tão perigoso, também daria reraise se tivesse trincado ou acertado dois pares no flop. Assim, o range dele agora está reduzido a projetos de sequência e/ou flush, e mãos que acertaram algum par no flop. Além disso, há ainda a possibilidade do seu adversário estar usando a vantagem da posição para roubar o pote no futuro, tendo em vista que, apesar de ele o considerar um jogador bastante seguro, sabe que você é capaz de tentar um blefe nessa situação.

O crupiê vira um 4 no turn. Sendo o primeiro a falar, você aposta mais 300, e nosso adversário displicentemente pega algumas fichas de 100 e joga na mesa, dizendo: “eu pago”.

Avaliando a situação: o turn é uma excelente carta e, a essa altura, você está confiante de que tem a melhor mão. Como no range dele há muitos draws e pares piores, apostar um valor alto é bom para extrair valor de sua mão e evitar que o jogador no button tenha odds para dar um call lucrativo. Mesmo sem ter boas odds para um flush ou straight draw – e aparentemente sem se preocupar com isso – ele pagou a sua aposta. Agora podemos tirar completamente os pares altos, trincas e dois pares do range de nosso oponente, que certamente jogaria a mão de forma mais agressiva no turn. Além disso, podemos diminuir consideravelmente a probabilidade de ele possuir o segundo ou o menor par da mesa, pois você sabe que ele lhe daria crédito na sua segunda aposta consecutiva. Desse modo, você tem 90% de certeza que está enfrentando uma dentre três situações: um draw para flush, um draw para duas pontas ou um par de dez com kicker menor (como TJ, TK, etc).

O river traz um 9, dobrando a segunda maior carta da mesa. Você pensa por alguns instantes e dá check. O jogador no button imediatamente aposta 750.

Avaliando a situação: o river dobrou uma carta no bordo, mas pelas informações que conseguiu extrair até agora, você está convicto de que ela só melhora a mão de seu oponente se ele tivesse o 9 com outra carta de paus. Além disso, você sabe que, ao apostar no river, o button provavelmente dará fold, já que o projeto que ele estava tentando montar não apareceu na última carta. Logo, ao pedir mesa você aparentou medo da carta dobrada e deu a ele uma oportunidade tentar roubar o pote.

Após a aposta de seu adversário, você observa toda situação com olhar firme. Confiando nas informações que coletou durante todo o processo desta mão, você separa as fichas necessárias e anuncia o call, vendo o seu adversário sorrir e dizer: “Bem pago, eu tentei blefar essa!”, enquanto mostra A6.

Você orgulhosamente vira suas cartas sobre a mesa e mostra que seu AT é suficiente para que ganhe um belo pote com mais de duas mil fichas. “Boa mão”, diz o garoto de boné, enquanto você separa uma ficha de 5 para dar de “caixinha” ao dealer, e observa as pilhas do seu novo stack, que passa de 4 mil fichas.

É uma situação cotidiana nas mesas de poker mundo afora. Parece simples. Intuição. Palpite. Mas você sabia exatamente o que estava fazendo.

Igor “Federal” Trafane é presidente da Confederação Brasileira de Texas Hold´em (CBTH).




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