EDIÇÃO 17 » ESTRATÉGIAS E ANÁLISES

Maneiras ‘Aceitáveis’ de Perder

Correndo certos riscos calculados


Matt Lessinger

Se você leva o poker a sério, deve saber que há muitas maneiras de se perder um torneio de no-limit hold’em que devem ser consideradas inaceitáveis. Eis aqui apenas alguns exemplos:

1. Você pagar um grande raise all-in pré-flop com QJ porque não consegue largar uma mão tão bonita.
2. O jogador mais tight de sua mesa vai all-in no river, e você paga apenas com um top pair porque acha que essa é única vez na vida em que ele está blefando.
3. Você vai all-in do button com 5.000 e uma mão lixo, tentando roubar 150 em blinds, e o big blind mostra um par de ases.

Em todos esses casos e em muitos outros similares, você pode culpar a má sorte ou dizer que as odds estavam a seu favor, quando na verdade não estavam. Se você se pegar pensando dessa maneira, precisa ser mais objetivo. Para melhorar suas chances nos próximos torneios, é preciso perceber que correu riscos desnecessários, e basicamente obteve o que merecia.

Por outro lado, você pode perder no que eu costumo chamar de maneira “aceitável”. Quando me refiro a maneiras aceitáveis de perder, eu não estou falando apenas sobre ir all-in com a melhor mão e ver seu oponente acertando um draw para lhe derrotar, embora isso em geral seja tanto aceitável quanto inevitável. Eu também estou me referindo a colocar voluntariamente seu dinheiro no pote com a pior mão. Por mais estranho que soe, isso pode constituir a jogada correta, mesmo quando você for eliminado.

Vamos admitir, se você for um dentre mil jogadores que entram em um torneio de no-limit hold’em, pode ter muita sorte e ganhar de todo mundo, mas, realisticamente, você pode supor que será um dos 999 eliminados em algum momento. Nem todas as eliminações se dão da mesma maneira. Cair de maneira aceitável demonstra que você estava executando sólida estratégia de torneios, o que é um bom prenúncio para seu sucesso no longo prazo, e também é um ótimo impulso para sua autoconfiança.

Você deve estar se perguntando por que vale a pena fazer a distinção entre eliminação aceitável e inaceitável. Eu lhe asseguro que esse é um assunto importante, pois muitos jogadores, especialmente os mais novos, levam o conceito de sobrevivência ao extremo. É verdade que torneio é sobrevivência, mas também é assumir certos riscos calculados. Quando você fica muito preocupado evitando a eliminação, geralmente acaba largando as melhores mãos ou desistindo quando tem pot odds favoráveis para melhorar. Além disso, você se exclui de situações em que tem a chance de acumular fichas. Juntos, esses fatores prejudicam severamente suas chances de ganhar muito dinheiro, e, em um torneio padrão, essa deve ser sua principal meta.

“Mas espere um pouco, Matt”, eu posso ouvir você dizer. “Digamos que você esteja heads-up em um pote, dê fold e descubra que o oponente lhe derrotaria. Então, não foi correto desistir?” Mesmo ignorando o conceito de pot odds, eu lhe diria que isso não é necessariamente verdade. Você está correto ao desistir quando pode de algum modo saber, com um grande grau de certeza, que será derrotado. Contudo, se há probabilidade suficiente de que você esteja descartando a melhor mão, pode estar se prejudicando no longo prazo, mesmo que esteja correto nessa situação em particular.

Eis um exemplo simples para demonstrar o que eu quero dizer: nos estágios intermediários de um torneio, a mesa roda em fold até você no button, que aumenta três vezes o big blind com K-K. O small blind desiste. O big blind olha para a própria mão, olha para seu estoque e rapidamente vai all-in. Ele tem mais fichas, então se você pagar e perder, está fora.

Claramente, tem-se um call automático aqui. O big blind pode ter um par de ases, mas ele também pode ter muitas outras mãos. Seu aumento do button parece uma tentativa de roubo, então a gama do big blind seria bastante ampla. Ele possivelmente vai lhe colocar all-in com muitos pares ou qualquer Ás com outra carta alta, além de haver a possibilidade de ele estar roubando com um lixo. Em síntese, pensar em largar o par de rei seria tolice.

Mas vamos supor que esse seja seu primeiro torneio de poker e que tudo que você queira seja sobreviver o maior tempo possível. Você tem quase certeza de que tem a melhor mão, mas não 100% de certeza, então descarta seus reis. O big blind emite um “Ah” desapontado e mostra seu par de ases. Você dá um sorriso e se parabeniza por seu fold brilhante. Mas é claro que, na verdade, não houve nada de brilhante nele. Você devia ter pagado, mas em vez disso largou, mesmo se achando um grande favorito. Essa talvez tenha sido a única vez em 20 que seu oponente teria um par de ases. No final das contas, você teve sorte de fazer a jogada errada na hora certa.

A tal respeito, isso é bastante similar à situação que eu descrevi lá no começo: pagar um grande raise all-in com Q J. Digamos que seu oponente revele QQ, mas você acerte uma seqüência e ganhe. Você fez a jogada errada ao pagar, mas os resultados fizeram com que tudo parecesse bem. Todo mundo logo repreende alguém por fazer esse tipo de mau pagamento, mas você raramente vê alguém sendo criticado por fazer um descarte igualmente ruim, principalmente porque, em geral, não vemos as cartas que foram largadas. Mas, entre as duas situações que descrevi, eu classificaria o fold do par de reis como sendo o pior erro. Em ambos os casos, você fez a jogada errada, mas com QJ, pelo menos está se dando a chance de ter sorte e acumular fichas. Com o descarte de K-K, você está fazendo a jogada mais weak-tight, e não pode esperar obter nenhum sucesso em torneios jogando dessa maneira.



O que eu quero dizer é que ir all-in pré-flop com K-K contra A-A é claramente uma maneira aceitável de perder um torneio. Há algumas raras instâncias em que é possível largar de K-K pré-flop, talvez no começo do torneio, mas não com freqüência. Eu descartei K-K pré-flop três vezes em 12 anos, e estava certo em cada uma delas, mas isso demonstra quão raramente se pode esperar fazer isso. Se você começar a buscar muitas situações para dar fold pré-flop com K-K, não apenas acabará desistindo da melhor mão com muita freqüência, como também estará adotando uma mentalidade que praticamente garante resultados terríveis em torneios.

Ao examinar K-K versus A-A, eu escolhi um exemplo muito óbvio de uma maneira aceitável de perder, mas há várias outras, e nem todas tão simples. Na próxima edição, discutirei mais a respeito dessas hipóteses de perdas toleráveis e por que você deve aceitá-las como parte de uma vida saudável nos torneios, em vez de buscar maneiras de evitar cada uma delas.

Matt Lessinger é autor de O Livro dos Blefes: Como Blefar e Ganhar no Poker, disponível em www.raiseeditora.com . Você pode encontrar outros artigos dele em www.CardPlayer.com.




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