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A história diante dos olhos - Os bastidores da Mesa Final da WSOP


Leo Bello

Não poderia escolher outro tema para a coluna deste mês que não fosse contar em detalhes a incrível experiência de cobrir a mesa final do Main Event da WSOP 2008. Um dos motivos que me deixa especialmente emocionado era eu ser o único brasileiro que estava lá pessoalmente, e podendo vivenciar a menos de 2 metros de distância as mãos que estavam valendo milhões, além de decidirem o campeão mundial. Ou ainda, poder estar na “exclusiva” de imprensa no dia seguinte, e conseguir conversar com o Ivan Demidov e com o Peter Eastgate apenas horas antes de eles disputarem o heads-up decisivo – até café da manhã tomei ao lado do Demidov conversando sobre poker.

Jeitinho Brasileiro
Mas como tudo começou? Muitos aqui podem pensar que foi só a CardPlayer Brasil ou a minha editora que conseguiu me colocar lá como enviado. Bem, isso é apenas parte da história, pois eu realmente usei o fato de escrever para a CardPlayer e de ser autor do livro para tentar conseguir a credencial. Porém, o que realmente aconteceu foi um pouco do “jeitinho brasileiro”. Em 2007, quando fui para a World Series patrocinado, descobri no site da WSOP um link para fazer um pedido de credenciais de imprensa. Enfeitando o pavão do jeito que deu, eu e o Leandro Brasa enviamos nossos pedidos e, até sem muita dificuldade, conseguimos as credenciais. Maravilha! Pudemos jogar o WSOP e ainda circular livremente pelos corredores, escrever notícias do evento e ainda ter lanches na faixa nos intervalos dos torneios. Em 2008, o Brasa não conseguiu a credencial, mas eu insisti. Após ter o pedido inicialmente recusado, eu corri atrás e, na base da raça, consegui dobrar a comissão e ter o pedido aprovado. Infelizmente, neste ano, eu nem cheguei a participar dos torneios da Série Mundial, mas graças a ter conseguido essa credencial, pude, por exemplo, filmar as duas mãos finais do evento em que Alexandre Gomes ganhou o bracelete. Nem a ESPN tem as imagens que a galera do Brasil viu direto no meu blog (é só acessar www.cardplayerbrasil.com/leobello ou www.leobello.com.br quem ainda não tiver visto e procurar na seção vídeos). No final das contas, fiz jus à credencial, e passei até mesmo a curtir esse lado jornalístico.

Uma coisa leva à outra
E como surgiu a chance de cobrir a mesa final? Foi meio que indiretamente. E o pior, confesso, tem relação com a Madonna e depois com o BestPoker. Em julho, quando estava em Las Vegas, acabei ganhando um torneio da série Deep Stack, no Venetian. Com o prêmio conseguido, comprei um par de ingressos para assistir à nova turnê da Madonna em Las Vegas. Na época, não tinham sido anunciados shows no Brasil. Além disso, comprei ingressos VIP para o MGM Arena, local onde aconteceram, por exemplo, as lutas de boxe entre Mike Tyson e Hollyfield, e que eu tinha uma grande curiosidade em conhecer.

Por coincidência, o show seria no mesmo fim de semana da mesa final: aí entra o BestPoker. Há três semanas do evento eu tinha praticamente desistido de ir ao show e a Vegas. Com a crise, dólar subindo e o mês de novembro recheado de torneios pelo Brasil, pra que viajar?

O BestPoker fechou um acordo para que eu jogasse os eventos do Deep Stack e, no pacote de atividades, eu perguntei se eles não queriam que eu cobrisse a mesa final. Eles, claro, aceitaram na hora. Só havia um problema: tinha perdido o prazo para conseguir credenciais e, pelo visto, ninguém no Brasil tinha tentado. Foi aí que começou o mesmo processo de julho: escreve pra cá, manda e-mail pra lá, e consegui autorização – e como todo bom brasileiro, quase perdi as credenciais...

Mais Jeitinho Brasileiro
Cheguei a Las Vegas no dia 6, e não sabia eu, tinha que pegar minha credencial até o dia 8, véspera da mesa final. É claro que apareço eu, no próprio dia 9, às 10:30 (a mesa final começava às 10) para pegar a credencial. Nào tinha ninguém lá para entregar e quase perdi a oportunidade. Mas como brasileiro não desiste nunca, fui passando um papo em uma senhora muito simpatica que trabalhava na organização, e ela conseguiu tirar a chefe do evento lá de dentro e ela veio até a porta (um segredo que poucos sabem é que ainda consegui uma ajudante). Eu precisava de alguém para tirar fotos e tinha uma amiga brasileira que queria assistir ao evento. Contei uma história de que não tinha pego minhas credenciais antes por que tinha chegado do vôo naquela hora e que ela era minha esposa. Resultado: em meia hora consegui DUAS credencias de imprensa...

Estrutura de Cinema
Agora, mãos à obra. Vamos ao trabalho. O evento foi no teatro onde acontece o show do Penn and Teller no cassino Rio. O teatro teve o palco desmontado, e neste local eles instalaram a estrutura da mesa final e platéia VIP, com todas as câmeras da ESPN e o controle do torneio.

No local da platéia do teatro, a primeira fila era dedicada à imprensa e a galera ficava com os notebooks fazendo a cobertura “real time” para os sites. Acima dessa fileira, as torcidas populares. Para poder entrar e assistir, essa massa de pessoas (quase 2.000 no total) fez filas desde a noite anterior para conseguir lugar, já que era gratuito e por ordem de chegada. Impressionava o fato que 1/3 dessa torcida era uniformizada do Dennis Philipps, com camisas brancas e vermelhas cheia de propagandas.

O teatro tinha três níveis. O segundo, um mezanino, também era dedicado à torcida dos jogadores; o terceiro era destinado à imprensa – uma sala envidraçada onde podíamos ter uma visão privilegiada do que acontecia lá embaixo. Dentro da nossa sala, dois televisores gigantescos e o sistema de áudio também nos permitiam acompanhar a ação em tempo real, e o melhor, vendo o rosto dos jogadores. Tínhamos a visão global do evento e também o detalhe. Era emocionanete ouvir a algazarra da torcida. Vale lembrar que quando eu entrei, o jogo tinha começado há alguns minutos. Apesar disso, o primeiro pote que chegou a ter um flop só aconteceu quando eu já estava escrevendo para o blog, quase 30 minutos depois de começada a final.

Só que, dali, ainda não tinha emoção. Eles me passaram tantas regras que eu fiquei com a nítida impressão que não podia chegar perto do palco. Mas eu já disse que brasileiro se mete em tudo?

Cantando em Dinamarquês
No primeiro intervalo, resolvi aproveitar que os jogadores deixaram a área do torneio e desci até o palco principal. Deixando minha credencial tampada (para o caso de a cor dela não liberar o acesso até lá) e de máquina em punho, aproveitei que tudo estava meio confuso entre o pessoal da segurança e organização, e quando vi estava tocando a mesa final, observando todos os convidados vips e começando a tirar fotos com os finalistas, usando uma camisa com uma logo gigante do BestPoker, o que era proibido. O jogo recomeçou e eu vi um buraco no meio da torcida VIP do Peter Eastgate. Sentei por ali, e logo na primeira mão ele entra em um grande pote, e de repente, quando ele ganha, a pequena torcida dele começa a gritar e pular, e eu não podia ficar parado, já que estava no meio daquela galera – lá vai o Leo Bello aparecer na ESPN cantando em dinamarquês!

Logo eu estava tão entrosado com aquele pessoal, que ninguém mais perguntava de onde eu era, e comecei a circular livremente, tirando foto dos profissionais que passavam por ali, como o Negreanu, Phil hellmuth, Barry Greenstein, Phil Gordon, Tiffany Michelle (mulher que ficou em 17º lugar, eliminada pelo Peter Eastgate), John Phan, Michael Mizrachi, Johnny Bax, Rizen e muitos outros.

Hellmuth e Demidov
Como vocês devem saber, o Phil Hellmuth detinha o recorde de campeão mais novo da história, que acabou ficando nas mãos do Peter Eastgate. Durante o evento, Phil ficou o tempo todo dando conselhos para o Demidov, e torcia abertamente contra o Eastgate. Foi bem engraçado.

Action
Alguns momentos marcantes de tensão aconteceram logo no início. A mão em que Dennis Phillips tinha QQ e voltou all-in em cima do JJ de David “Chino” Rheem foi emocionante. Os dois ficaram de pé se encarando durante uns 5 minutos. Na TV, parecem segundos. Lá no teatro ninguém falava... Foi uma imagem para não se esquecer. Dennis ficava mordendo os lábios de nervoso e fitando Chino nos olhos. Após o call, a QQ segurou.

E na hora que o Kelly Kim foi all-in contra o mesmo Rheem. Ambos tinham AQ. Tranquilo, não? O flop trouxe três cartas de copas, e Chino tinha o A. Os dois se abraçaram e se afastaram da mesa, ficando a apenas alguns metros de onde eu estava. Momentos antes, eu tinha tirado uma foto com os dois, que pareciam ter desenvolvido um laço de amizade antes do início da mesa. Vale lembrar que o Kelly Kim entrou como short stack, com apenas 10 big blinds, e que até ali, ninguém tinha caído ainda. Os dois ficaram juntos ao lado da torcida, a apenas um metro de onde eu estava, e pude ver o alívio no rosto do Kelly quando a última carta – mais uma dama – apareceu no board, empatando a mão.

O maior problema eram as longas pausas. Após potes grandes que moviam muitas fichas pela mesa, ou a critério da ESPN, o torneio era paralisado, isso sem falar nos breaks normais entre níveis. Assim, a ação demorava muito para acontecer. Quando fui olhar o relógio já eram 7 da noite, e eu estava desde as 10:30 lá, praticamente sem sair do teatro (exceto para almoçar rapidamente). Ah, no Brasil eram 6 horas à frente, portanto, 3 da manhã. A essa altura, eu já conversava com os jogadores nos intervalos e dava conselhos até. Muito engraçado foi o meu papo com o Ylon Schwartz, que era chip líder. Por quê? Porque ele veio puxar conversa comigo, sem nem saber quem eu era. Perguntou para mim sobre o que eu achei de uma mão que ele tinha jogado – simplesmente aquele seria o fold mais bonito de toda a mesa final, mas na hora, nem eu, nem ele, nem ninguém, poderia adivinhar. Ylon tinha uma mão com o K e Demidov uma com o A. E, do modo jogado, nenhum dos dois revelava muito sobre sua mão. O flop trouxe três cartas de copas e foi check-check. No turn, que não foi de copas, um deu bet e outro raise, com call. No river, a quarta carta de copas. Ylon que falava primeiro deu check, com o second-nut flush, e depois deu fold na aposta pelo valor feita por Demidov – em minha opinião, um fold incrível. Largar a segunda melhor mão possível, sabendo que só estaria perdendo se o Demidov tivesse o A na mão, em um pote daquele tamanho, foi um fold de campeão. Bom, vai ver por isso, naquela hora, Ylon era o chip líder. Agora, que foi engraçado eu discutindo mão ali com o cara, isso foi.

Entrevistas
Quando começou a ficar tarde eu fui embora, pois tinha outro compromisso. E no dia seguinte ia voltar logo cedo para entrevistar os jogadores que estivessem no heads-up. Quando saí de lá, Ylon, Dennis, Demidov e Eastgate ainda brigavam pelo título.

A coletiva de imprensa, seguida da entrevista exclusiva, aconteceu no meio do cassino, em um palco na área conhecida como Masquerade, onde acontece um show ligado ao Carnaval. A estrutura foi montada, e as redes de televisão puderam fazer a cobertura primeiro, depois o restante da imprensa. O que acabou sendo ótimo, pois no final só tinha o Pokernews e mais uns dois veículos, e pude conversar com Demidov e Estgate. E como já comentei, até tomei café da manhã depois, na mesma mesa do Demidov.

As entrevistas não ficaram tão boas pois eu tive um problema de logística: eu tinha que ficar segurando a câmera e fazendo as perguntas ao mesmo tempo. Uma pena, pois o resultado final poderia ter sido bem melhor. Também fiquei com um pouco de vergonha de incomodar os caras por um tempo longo, de uma forma amadora. Bem, pelo menos pude fazer uns vídeos em que eles comentavam sobre as expectativas e até mandavam um recado pra galera que está começando a jogar poker no Brasil.

Ah, esqueci de um detalhe: sabe aquela imagem dos campeões mundiais com a grana na frente? Pois é, eles colocaram os 9 milhões de dólares em uma mesa na frente dos jogadores. Eu cheguei a tocar no dinheiro (e levar uma bela reprimenda dos três seguranças em volta). Mas não dava para não fazer, não é? Nunca vi tanto dinheiro junto. E ali no meio ainda tinha um bracelete, que os caras juravam que era o mais importante de tudo... Sinceramente, leva o bracelete e deixa a grana comigo...

Aliás, por falar em deixar grana, disseram que ambos tiveram que pagar mais de 40% de imposto. Demidov era russo e Eastgate dinamarquês, apesar de ter pais morando nos EUA. Outra curiosidade é que, à noite, chamaram um apresentador de luta de boxe e fizeram um super clima para apresentar os jogadores durante o heads-up, pois diziam que era como Rocky Balboa (americano) contra Drago (russo). Só que tinha um detalhe: o Eastgate não é americano... vai entender...

Heads-Up Histórico
A meu ver, o heads-up tinha tudo para ser favorável ao Demidov. Mas na primeira mão ele já faz uma jogada bisonha: com A9 ele começa dando um MINI-RAISE! Com blinds em 500.000–1.000.000 ele dá raise para 2.000.000. Eastgate dá um belo loose call com 74. O flop traz duas cartas de ouros (TK) e um 7. Os dois dão check. No turn vem um J de ouros. Eastgate, que fez o flush, sai apostando. Nessa hora, Demidov devia pegar sua viola e colocar no saco, e assumir a perda dos 2 milhões pré-flop. Sairia barato. Mas, ele resolveu dar um raise para 8 milhões sem nada mais do que uma queda para gaveta, em um bordo com chance de straight e de flush, e com T-K-J na mesa. Imcompreensível. Se acha que o gutshot é bom, porque não dar só call na aposta? Tentar representar algo agora? Bem, e o pior: Eastgate deu call. Demidov devia entender que ele tem jogo.O  river traz um 3 que não muda nada. E Eastgate dá check tentando um showdown barato com seu flush. Não é que Demidov tenta de novo e aposta 12 milhões? Logo no início do heads-up gastou 22 milhões em fichas em uma mão que não tinha nem um par...

Bom, o heads-up não foi longo e terminou com A5 contra 42. Limped pot. Flop 23K. Demidov deu check e Eastgate apostou com o gutshot. Demidov deu apenas call. O turn trouxe o 4, dando dois pares pra Demidov e sequência para Eastgate. Demidov saiu apostando com seus dois pares e Eastgate deu apenas call ao invés de voltar all-in (o que parecia lógico, já que nessa hora Demidov só tinha mais 10 milhões em fichas). No river, um 7 não mudou nada. Demidov, que falava primeiro, foi all-in e Eastgate apenas disse: “I call”. Um insta-call. E acabou...

Agora, querem ouvir o mais curioso? Ele não gritou, não comemorou, nada. Nem uma emoção maior. Nem parecia ter ganho o título mundial. A torcida, claro, vibrava. Até abraçaram ele, cantaram. Mas o cara tava ali, paradão... Com 9 milhões no bolso e o título mundial – e eu sonhando em uma dia ver um brasileiro naquela situação. Quem sabe viver de perto uma mesa final, quem sabe (sonhando ainda mais alto), jogando.

Por que não?
Espero que vocês tenham curtido esse relato. Para mim foi uma experiência única. Ver a história acontecendo diante dos meus olhos. Eu estava lá quando Brasa chegou na mesa final. Estava lá quando o Alê Gomes ganhou seu bracelete, e agora vi um campeão mundial. Que mais finais venham – para o Brasil e, quem sabe, para mim. Por que não?




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