EDIÇÃO 11 » COMENTÁRIOS E PERSONALIDADES

Visão Dupla

Distancie-se de suas cartas


Matt Lessinger

“Encha meus olhos... com essa visão dupla
Sem disfarce… para essa visão dupla
Oh, quando ela chega até mim
Traz sempre algo novo para mim…”
— Double Vision (Foreigner)

Quando trabalho com novatos, eu os asseguro de que eles podem ganhar dinheiro muito embora sejam novos no jogo. Em limites mais baixos, escolher as mesas certas e começar com as mãos apropriadas é suficiente para fazer com que você lucre. Mas digo a eles que, para obter o verdadeiro sucesso no longo prazo, e passar do nível de “iniciantes”, uma das habilidades mais importantes que eles precisam adquirir é o que eu chamo de “visão dupla”.

O que é a visão dupla? Em termos simples, nós vemos primeiramente cada mão sob nossa própria perspectiva, com base em nossas próprias cartas. Mas também se deve ver a mão como se fosse um terceiro observador, como se não estivesse pessoalmente envolvido nela. Muitas decisões são fáceis de tomar, como descartar 7-2 pré-flop ou aumentar com K-K. Mas você freqüentemente se depara com uma mão marginal e uma decisão mais árdua para tomar. E quando isso ocorre, deve se confiar mais em sua perspectiva impessoal — sua segunda linha de visão — para lhe ajudar a fazer as escolhas certas.

Eu digo a cada um de meus alunos: “Quando você se deparar com uma situação difícil, tente fazer de conta que você está flutuando acima da mesa, vendo a mão e observando a decisão que deve tomar. É imprescindível se perguntar “o que fazer”, daquela perspectiva, como se você não soubesse que cartas possui. Em outras palavras, se alguém estiver tomando a iniciativa das apostas, quão forte sua mão precisa ser para poder pagar? O que seria necessário para você aumentar? Existe razão para acreditar que o apostador está blefando?”

Você ficaria surpreso com a mudança que essa alteração de perspectiva pode trazer. Você pode sentir melhor por que seu oponente está agindo de determinado modo e, por conseguinte, diminuir a gama de possíveis mãos dele. Por outro lado, se estiver concentrado apenas em suas próprias cartas, não perceberá esse tipo de informações.

Eu considero esse exercício de visão dupla especialmente útil em duas situações:

1. Quando se discute um call: Se você é como a maioria dos jogadores, tende a imaginar que seus oponentes têm as mãos que você espera que eles tenham ou uma mão que possa derrotar. Mas se analisar a mão objetivamente, como um observador externo, obterá uma visão mais clara do tipo de mão com o qual seu oponente está apostando. Você pode, então, analisar suas chances de vencer, e decidir, por exemplo, se pagar com o par do meio vale a pena. Às vezes seu call se justifica, mas, em muitas situações, fica bastante claro que você está derrotado e que a única razão para pagar é a presença física das cartas na sua frente. A idéia é ignorar sua participação física na mão.

Eis um exemplo: você tem J10 e o flop vem J102. Você aposta e quatro pessoas pagam. O turn é o 3 e, embora esteja ciente da possibilidade de um flush, aposta novamente para proteger sua mão. Dois jogadores pagam. O river traz o 4, formando um bordo final contendo J10234. Nesse instante, o jogador notoriamente tight que nunca blefa e que tem pedido mesa ou apenas pagado o tempo inteiro, de repente acorda e aposta. O outro jogador desiste e é sua vez de falar. Você tem certeza de que ele lhe derrotou, mas paga mesmo assim e, conforme esperado, o apostador lhe mostra o nut flush com A10. Você pode então dizer a si mesmo: “Eu achei que ele fosse me derrotar, mas eu não poderia simplesmente descartar dois pares altos!” Se você se encontra pensando assim, precisa da visão dupla, imediatamente.

Vamos deixar uma coisa clara: você pode largar qualquer mão que quiser. O que se está tentando dizer na verdade, é que os dois pares estão bem na sua mão, diante de seus olhos, e você não consegue se convencer a descartá-los. Mas se um jogador do outro lado da mesa estivesse segurando as mesmas cartas e pagasse a aposta do river, você provavelmente pensaria: “Que desperdício de dinheiro! Era óbvio que quem apostou tinha um flush!” É possível ver a mão com muito mais clareza como um observador, então a idéia é se tornar essa pessoa, ainda que ainda esteja participando da mão. E o observador dentro de você teria economizado o call desperdiçado no river.

2. Quando se discute um blefe: Não se engane — é difícil ignorar suas cartas. E quando você olha para baixo e vê um lixo em sua mão, isso pode fazer com que pense duas vezes antes de blefar, mesmo quando está diante do que seria uma oportunidade perfeita para blefar. Em situações assim, é preciso fazer todos os esforços para ver além de suas cartas. Elas servem apenas para lhe impedir de fazer a jogada ideal.

Entre na pele do observador. Veja a mão sob uma perspectiva isenta e se faça as perguntas que os jogadores vencedores se fazem. Por exemplo, determinado jogador está claramente fora da linha, apostando e aumentando mais do que o necessário? Você tem razões para crer que ele está fora da linha agora? Em caso afirmativo, acha que ele é capaz de desistir se você der raise? Em caso negativo, existe outra maneira de fazer com que ele desista?

Você nem sempre consegue as respostas perfeitas que está esperando. Em outras palavras, precisa decidir que seu melhor plano de ação é jogar com segurança e dar fold. E isso faz sentido, já que não se pode tentar blefar todas as vezes que um oponente loose aposta contra você. É necessário escolher as situações. Tudo que eu estou sugerindo é o simples ato de se fazer essas perguntas, o que lhe ajudará a escolher essas situações corretamente.

E Tem Mais

Eu discuti apenas as duas ocasiões em que acho a visão dupla mais útil, mas você pode utilizá-la em quase todas as situações do poker. Esteja cogitando largar, pagar ou aumentar, quanto mais você conseguir se distanciar das próprias cartas, mais objetiva será sua tomada de decisão. E quanto mais objetivo for, mais fará a jogada certa. É realmente simples assim.

“Oh, visão dupla... Eu preciso da minha visão dupla…”

Matt Lessinger é o autor de O Livro dos Blefes: Como Blefar e Vencer no Poker, disponível nas livrarias. Você pode encontrar outros artigos dele em www.CardPlayer.com




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