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Olé! Thiago "TheDecano" na Espanha

WPT de Barcelona - Uma Grande Vitória


Thiago Decano

Acredito que chegar a uma mesa final de um evento do World Poker Tour seja é um sonho para todos os amantes do poker – no meu caso, um sonho que acabei realizando. Falando nisso, vou contar um segredo a vocês, leitores da CardPlayer Brasil: eu literalmente sonhei com essa final table dias antes de embarcar para a Espanha... Mas vamos ao que interessa, que é ficha no pano.

Eu e meu parceiro de viagem, Marco Aurélio “Salsicha”, grande jogador de Texas Hold‘em e Pot Limit Omaha, começamos nossa saga de poker em Madrid, disputando um evento do Euro City Poker Tour. Jogamos bem, mas não conseguimos entrar na zona de premiação. Uma pena, pois fiz um ótimo torneio, com pouquíssimos erros, e caí na reta final com AK x AJ, quando meu oponente fez dois pares e me eliminou em uma mão que eu deveria ter dado fold no flop. “Salsicha” havia sido eliminado pouco antes. 

Conseguimos ótimos resultados no cash game contra a parceirada de Madrid e curtimos alguns dias de férias em Ibiza, cidade de ótimas praias e muitas festas. Seguimos para Barcelona e, ainda no aeroporto, brinquei com o Marco Aurélio: “Salsicha, se eu chegar na mesa final do WPT vou fazer 100 flexões e 200 abdominais todos os dias, até o final de nossa viagem a Las Vegas”. A brincadeira surgiu quando ele prometeu fazer 50 abdominais por dia após ter se recuperado com sucesso de uma bad run no cash madrilenho. Promessa é promessa, e voltarei ao Brasil mais saudável. (risos).

A etapa de Barcelona do WPT foi disputada ao longo de quatro dias. O Spanish Championship (nome oficial do evento) é um dos mais tradicionais da Europa, reunindo alguns dos principais jogadores do mundo, como Patrik Antonius e Antonio Esfandiari. Agora vou dividir com vocês como foi o desenrolar dessa “epopéia brazuca” na terra das touradas.

Dia 1-A – Chip Leader
Iniciei o torneio com a estratégia que sempre gosto de utilizar: jogar mais loose, especialmente com posição, o que me custou 2000 fichas das 15000 iniciais. Não acertava os flops, ao contrário dos meus oponentes. Porém, tais fichas foram bem gastas, pois serviram para que eu determinasse o perfil de cada jogador e os enchesse de notes. Minha primeira grande mão aconteceu quando eu subi do UTG+2 para 325 com 56s, blinds 50/100. Meu adversário logo à esquerda, um senhor que havia largado um overpair de forma correta em uma jogada anterior, dá reraise pra 650. Eu sabia que ele tinha um pocket pair acima de 9, ou AK, já que não era seu perfil dar moves, ainda mais com tantos jogadores a falar. A mesa roda em fold e eu pago mesmo sem posição, com base nas implied odds e confiando na leitura que tinha sobre o oponente. O flop vem Q-6-3 rainbow. Dou mesa e ele aposta 350 num pote de 1450 – ou ele havia trincado na dama e estava querendo aumentar o pote, ou tinha TT ou JJ e havia ficado com medo da “muchacha” que virou no bordo. Decido apenas pagar para ver o turn de graça e tentar uma outplay. Bingo! A quarta carta traz um 5 e eu aposto 1900, ele dá insta-call. Pronto! Já sei que ele tem TT ou JJ, já que com AQ ele não iria me voltar reraise pré-flop pelo seu perfil conservador. Com QQ ele provavelmente faria isso no turn. Com AA ou KK ele apostaria muito mais no flop. O river trouxe um ás que não gostei, pois diminuiu a chance de eu ter minha aposta paga. Então, coloco 3000, ele pensa durante alguns minutos e fala: “Eu não tenho a menor idéia do que você tem, então vou pagar”. Eu mostro meus dois pares e pergunto a ele se venci tens ou jacks. Ele mostra TT e fica meio indignado por eu ter subido com 5-6! (risos).
 
Algumas mãos depois, após quatro jogadores entrarem de limp, eu também faço isso, e coloco mais 100 no pote, com A5s no small blind. O mesmo senhor aposta 325 no big blind. Pelo valor dessa aposta, desconfiei que ele tivesse AA ou KK, pois seu raise nos chamava para o jogo. Não gosto dessa jogada porque, contra 5 jogadores, ela deixa a provável grande mão muito vulnerável. Flop 2-3-4 rainbow (sonho?). Peço mesa, o senhor aposta 2/3 do pote. Todos dão fold e, como minha leitura é de par grande, volto reraise do tamanho do pote, torcendo para ele me voltar all-in. Ele pensa muito, pergunta se eu tenho 56 de novo e paga. Faço uma cara meio de espanto com o seu call e dou check no turn, que trouxe um 8 para confundi-lo. Ele dá check e o river traz um 9. Vou de all-in e o senhor nem pensa muito para pagar e mostrar seu AA.

Nesse momento fiquei com o dobro da média, com cerca de 45k fichas. Após puxar outros bons potes, atingi a marca de 60k quando recebi 65s no UTG+2 e dei raise para $1200. Outro senhor, que tinha uma boa noção do jogo e gostava de executar moves, paga do big blind. O flop vem com 6-3-2 rainbow e ele dá check. Eu aposto 2000 e ele volta 6500. Como ele já havia feito isso em duas mãos anteriores e mostrado o blefe, eu voltei insta-all-in. Na verdade, pensei que ele havia dado call no big blind com 77 até TT e que meu all-in rápido teria take it down, já que ainda lhe sobrariam 14000 fichas. Caso ele pagasse, eu ainda teria 36% de chance contra um overpair. Ele conta suas fichas, pensa durante 6 minutos até que alguém na mesa pede um minuto para conclusão da jogada. Faltando 15 segundos, ele fala: “Eu realmente acho que você está na frente, mas não consigo largar esta mão”, e me dá call com QQ. Meu desespero logo dá espaço ao grito da vitória quando a dealer traz um 4 no turn e nada no river! O salão inteiro começa a olhar minha comemoração – os gringos são meio comedidos, mesmo quando vencem uma mão importante (risos), e eles me anunciam como novo chip leader do torneio, e assim segui até o fim do dia.

Dia 2 - Continuando bem
Comecei o segundo dia um pouco mais tight para tentar analisar o perfil dos meus adversários, pois as mesas haviam sido mudadas. Tive um começo meio complicado, já que a mesa estava muito loose e eu não estava acertando o flop; além disso, cartas boas eram raras. Mesmo assim, consegui me manter com o mesmo stack de fichas e me segurei acima da média.

A grande mão do dia ocorreu no finalzinho: Kofi Farkye, chip leader da mesa, abre raise de 5500 fichas em UTG+1, com blinds $1000/2000. Eu dou call do button com 66, o big blind completa e o flop vem J64. Todos demos check (preferi pedir mesa no flop porque queria que eles melhorassem suas mãos). Eu já havia descartado o flush draw de ambos, porque neste caso eles teriam apostado; mas o fato de Kofi não ter executado uma continuation bet me pareceu estranho. O turn traz um T e os dois dão check. Eu atiro $8000, o big blind cai fora e Kofi me dá check-raise de $26000. Como eu tinha posição, só dei call, após pensar bastante e fazer uma cena. O river traz um 7 e Kofi vai de all-in. Imaginei que, se ele tivesse JJ, dificilmente daria dois checks com dois flush draws, deixando de maximizar seus ganhos. Ponderei um possível TT, mas achei que ele teria apostado no flop com essa mão. JT era provável, pois poderia ter dado check no flop em busca de um check-raise caso eu apostasse. Levei em conta até uma outplay, já que ele era bem agressivo. Repensei toda a jogada, paguei e ele mostrou, confiante, seu JT. Ele se assustou – literalmente – quando mostrei a trinca, pois jamais imaginaria que eu fosse pensar tanto com uma mão melhor. Ficou tiltado e caiu algumas mãos depois, numa tentativa de re-steal com KJ x AQ. Terminei o dia em oitavo lugar, restando 28 jogadores e o ITM começando em 27.


Dia 3 - Entrando ITM e ficando monstro em fichas
Logo no início, eliminei o jogador George Dunst, que caiu na bolha da competição. Subi para $11000 em UTG com 99, blinds $2000/4000, e George foi de all-in com $62.900 fichas. Pensei bastante. Em mãos ocorridas no dia anterior, ele me deu três re-steals de all-in. Isso aumentava o range de mãos com que ele faria o mesmo move. Paguei e ele mostrou AJ off. O bordo trouxe K-T-5-K-6 e meu 99 se segurou.

Após ganhar alguns bons potes, fiquei entre os primeiros novamente. Foi então que dei de cara com um dos touros mais bravos do WPT da Espanha: o então chip leader David Zenou. Foram duas mãos. Na primeira, uma briga de small e big: a mesa rodou em fold e eu dei raise de $24000 com TJs, blinds $4000/8000, e Zenou pagou. O flop veio 3-T-T rainbow, e eu o provoquei à moda dos toureiros, agitando o pano vermelho e colocando $25000 no pote. Tomei insta-call – era o touro Zenou ciscando a terra com a pata traseira. O turn trouxe um 3 e eu imaginei que ele tivesse pagado com Ax ou qualquer outro jogo para executar um floating (dar call no flop sem nada na mão, mas com posição, para blefar no turn após um check). Pedi mesa e Zenou também – toureiro e touro se respeitam. Neste momento, minha leitura era de que ele tinha um 3 ou um par na mão e pagaria qualquer raise. O river trouxe um 4 e eu empurrei uma overbet de $160.000. O touro bravo deu call com 53s e veio com tudo, mas nem viu direito o full house que o aguardava e passou batido – “olé!”. Levei um belo pote.

Logo após os blinds passarem para $5000/10000, aconteceria a maior mão do torneio até então: subi para $27000 do UTG, com 55. David Zenou, de novo, deu call, e Jean Pierre Gleize também pagou, do big blind. O flop veio J54©. Gleize e eu demos check, mas Zenou colocou $42000. Gleize foi all-in de $125000, eu paguei, e Zenou foi de all-in com $575.000, sendo que eu tinha $560.000. Estava com a segunda melhor mão possível. Zenou não conseguiu esconder que estava com uma mão monstro, dando muitas tells, e era exatamente isso que me preocupava – só faltava ele ter JJ... Porém, se tivesse essa mão, com a mesa toda a falar, imagino que teria voltado reraise sobre mim. Entretanto, havia jogadores que gostavam de jogar JJ em posição, ainda mais por eu ter dado raise em UTG. Como ele apenas pagou, a possibilidade de estar com 44 era bem maior, até porque estava supondo um dos outros valetes na mão do Gleize. Talvez Zenou tivesse AA ou KK, mas com menores chances. Paguei. Zenou de fato mostrou 44, e Gleize apresentou JT... O turn e river não ajudam e eu fiquei gigante em fichas. Saí pulando feito um louco pelo cassino! Sabia que era um grande passo rumo à mesa final. Duas mãos depois eu eliminaria Zenou, que foi all-in de $44000 com K7, que paguei com K5 do big blind. O bordo trouxe 7-6-3-A-4 e eu acertei straight. Dessa vez, o “olé” foi o fim da linha para Zenou.

Tomei uma fatiada logo após o break. O bom jogador Erik Friberg sobiu para $30000. Como a mesa estava five-handed, voltei reraise de $100.000, com AQ. O flop vem Q-J-T rainbow e eu já fui de all-in. Infelizmente, Erik apresentou KK e eu tomei uma fatiada de $310.000. Após alguns raises, re-steals e folds cheguei à tão sonhada mesa final em segundo lugar em fichas, com $1.031.000.


Mesa Final - Segundo em fichas e confiante
O tão sonhado dia havia chegado. Acordei duas horas antes, tomei um banho demorado e estava bem tranqüilo. Conhecia muito bem o estilo de cada jogador e tinha notes de todos. Tivemos a apresentação dos jogadores, muitas fotos e vídeos dos seis finalistas.  Fomos presenteados com um card holder de prata do WPT, escrito Final Table, um vinho tinto, além de boné e camiseta. Minha estratégia era jogar bem loose-aggressive, principalmente nos blinds dos mais tights, já que minha intenção era construir um belo stack no caso de um possível deal, já que a diferença entre as premiações era muito grande; mas consegui me manter entre os líderes. Os que se despediram primeiro da final table foram Nordine Bouya e Atanus Georguiev. Pouco tempo depois, Martin Lundenius fora eliminado após seu AT não melhorar contra AK. Logo em seguida foi a vez de Guy Sitbon cair: ele foi de all-in no small blind com KQ e eu dei insta-call com A4 no big, mas meu melhor kicker segurou até o final.

Algumas mãos depois era chegada a grande hora: Andres Vidal, um simpático senhor, muito tight, abriu um raise de $65.000 do button. Eu estava no small blind e vi KK. Ao olhar as cartas, já imaginava o que aconteceria nos próximos minutos. Eu daria reraise, Andres iria de all-in com sua mão forte porém perdedora, e os 3 jogadores fariam um belo deal. Tudo isso passou na minha cabeça ao olhar aquele belo par de reis, então anunciei raise para $165.000. Quando meu adversário abriu TT e eu mostrei minhas cartas favoritas, meus dois outros oponentes comemoram – chegou a ser engraçado. Nada o ajudou e solicitamos ao diretor do torneio que o paralisasse para fazer o chip count e em seguida o acordo.

Pronto! Em meu ver fizemos um ótimo acordo, pois sabíamos que qualquer um dos três tinha poker o suficiente para ganhar, e como a diferença de valores era muito grande, não valeria a pena correr o risco de se tomar uma bad beat, por exemplo. A partir daí, jogamos pelo troféu, por mais um valor por fora do acordo e por uma vaga no World Championship do WPT, que ocorrerá no Bellagio em abril de 2009, e conta com a presença dos campeões de todas as etapas do WPT.


Que hora para tomar bad beat!!!
Sou o button e vejo AA. Dou raise para $110.000, blinds $20.000/$40.000. Casper Hansen dá call do small blind e Stefan Mattsson volta reraise para $330.000. Eu faço um teatro de dois minutos pensando, pergunto ao Stefan se ele está dando squeeze e empurro all-in de mais 900000 fichas. Casper larga. Stefan, para minha alegria, dá insta-call com QQ... Eu ficaria com aproximadamente $2.300.000 das $3.800.000 fichas totais, mas a primeira carta do flop é uma dama... Eu ainda grito por um ás e até por um flush runner-runner, mas nada ajuda e caio em terceiro lugar – nunca havia sido tão difícil aceitar a expressão “that’s poker”! Mas, infelizmente, é a pura verdade, e um jogador profissional tem que aceitar que os 19% de chances do oponente existem, e que não havia a menor possibilidade de Steffan largar QQ pré-flop em uma mesa com três jogadores apenas. Não posso reclamar, foi uma grande conquista e fiquei muito feliz!

Minha alegria é múltipla e não se deve “apenas” ao fato de ter conquistado a terceira colocação em um torneio de tamanha importância. A minha satisfação é infinita por outros inúmeros aspectos, como ter jogado o melhor do meu poker durante os três dias de evento; por ver a imensa torcida brasileira acompanhar minhas jogadas, vibrando a cada pote puxado, a cada oponente eliminado, a cada passo rumo à vitória; ter enfrentado de igual para igual um field dificílimo, com inúmeros profissionais de alto gabarito, mantendo sempre as primeiras posições e mostrando ao mundo que o poker brasileiro chegou para ficar.

Quero aproveitar para agradecer de coração a todos os que torceram por mim e que me enviaram muita energia positiva e palavras de incentivo e de congratulações. Foram dias inesquecíveis e que espero repetir brevemente em Las Vegas. Um grande abraço a todos e até a próxima!




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