EDIÇÃO 10 » COMENTÁRIOS E PERSONALIDADES

Vergonha de quê? - Parte II


Vicenzo Camilotti

Se você considera o poker um jogo de habilidade – ou vai mais à frente e o define como esporte –, certamente está bem informado. A discussão principal para mim nem seria se é jogo ou esporte, e sim se o fator sorte envolvido o transforma em mera jogatina, como no caso dos bingos, que tanto viciaram e assaltaram milhões de brasileiros enquanto eram permitidos no nosso país.

Ops! Esqueci de que alguns operam a pleno vapor, ainda na mesma clandestinidade típica de uma clínica de aborto. Só assim mesmo para funcionarem, pois, por essas bandas, só o governo tem permissão para explorar jogos de azar – já que tem viciado com tremedeira para “fazer uma fezinha”, que seja controlada pelo Estado!

Só que no poker a carta é mais embaixo: jogo de azar é a “mãe de quem falou”. É jogo de habilidade. “Ah, mas no curto prazo o fator sorte é alto”. É verdade, mas suponhamos que o poker seja 30% habilidade e 70% sorte (podem acreditar, essa proporção é bem mais apertada), o que vai acontecer com o “bom” e o “mau” jogador depois de disputar 10.000 torneios? O primeiro vai ser ganhador, o segundo, perdedor.
Então chega alguém “bem-informado”, que considere o poker um jogo de sorte (existe isso?), e fala que um jogador “top” em um torneio somente com principiantes vai depender muito menos da sorte do que em um evento contra fortes jogadores. A afirmação é verdadeira, mas, ainda assim, poker é jogo de habilidade. Senão, vejamos: imaginem um torneio em que o fator sorte seja 90% determinante sobre seus resultados. Se você disputar 10.000 torneios, até mesmo esse aspecto vai se dissipar também. No longo prazo, não existe fator sorte. E quem se orgulha de jogar poker precisa ter isso bem claro na mente.

Volta o “bem-informado” e fala que, no poker, há o fator de compulsividade envolvido. Concordo, mas vale lembrar que também existem pessoas compulsivas por TV, internet, vinho, sexo, academia de ginástica, xadrez etc. Esse tipo de problema diz respeito à fraqueza intelecto-espiritual das pessoas e não à prática de determinadas atividades físicas e mentais que, se estiverem na dosagem certa, são plenamente benéficas. Logo, o problema não está no poker em si.

A questão é que, para melhorar a imagem do nosso jogo de habilidade/esporte, precisamos ser pacientes. O grande público não sabe da existência dos circuitos nacionais e internacionais de poker acontecendo no Brasil. Não sabe da legalidade da prática do poker. De eventos com alvará permitindo sua realização. Do desenvolvimento saudável da mente quando da sua prática com a moderação, nos moldes de um bom apreciador de vinhos (podemos ilustrar esse estado-de-equilíbrio citando o próprio Jesus Cristo, que transformou a água em vinho para alegrar um casamento, mas condenou com veemência na Bíblia o estado suicida de embriaguez).

Aqui, quero deixar claro que considero o poker um jogo de habilidade, assim como xadrez, gamão ou damas. Respeito, e até gosto, das campanhas que falam que poker é esporte, pois se trata da mesma luta para demonstrar por A+B que é um preconceito grosseiro, leviano e sórdido chamar o poker de “jogatina de viciado” e termos correlatos.

Não adianta para o público leigo ser agressivo como estou sendo neste artigo, e volto a bater na tecla de que imprensa leiga “boa” é a que está bem longe do poker.  A imprensa leiga ainda é inimiga de quem quer o bem do poker. Vide os argumentos citados acima contra a prática do poker, eles são uma (pequena) parte da lenha na fogueira de que a imprensa tanto gosta. Para mim, pouco importa se a intenção de quem flerta com a mídia leiga seja esclarecer do que se trata o fantástico universo do poker ou apenas aparecer – acharia bem mais proveitoso se jamais tivessem sido produzidas as matérias tendenciosas e inverídicas que volta e meia aparecem em jornais de grande circulação. Quem dá a palavra final sobre o que vai ser publicado é o editor-chefe, não os jogadores e “colaboradores especializados”.

Obviamente, tudo isso que falo é teoria, pois é impossível que todos concordem com a minha visão. Mesmo assim, prefiro mil vezes uma matéria (ainda que contenha verdades que são mentiras) na qual apareça alguém bem-intencionado do meio do poker, do que uma que mostre um praticante que aprendeu o jogo há um mês.

Como dizia o falecido Leonel Brizola, apesar de eu nunca ter votado nele, “minha repulsa com a mídia vem de longe”. É essa mesma mídia que coloca fumantes em reality-shows para fazer a propaganda proibida da indústria do câncer, que simula entrevistas de falsos traficantes do PCC, que pode falar o que quiser em nome da liberdade de imprensa, que edita e corta a fala complementar e distorce a real declaração do entrevistado. É a mídia “pseudo-investigativa”, que só se interessa por vender jornais e alcançar altos índices de audiência.

Só a poderosa propaganda boca-a-boca e a mídia especializada podem trazer luz ao grande público. No caso da primeira, tudo depende de como nos portamos em relação ao poker e de como agimos quando jogamos, seja com a família, amigos ou adversários da mesa.

Chega de polêmica (pelo menos por hora) e vamos finalizar o artigo com uma mão que orgulhosamente errei: estava jogando um sit-and-go na sede da Federação Carioca e o pingo estava em 200. Eu tinha 4000 fichas e a média era de aproximadamente 4500. Veio JJ no UTG. Dei o raise básico de 600, um adversário voltou all-in e outro pagou. Ambos tinham fichas para me eliminar. O fold era trivial, mas me “apaixonei” pelas cartas, dei call e quebrei a cara contra um QQ e um KK.

Se tivesse ganhado ou perdido a mão, não me envergonharia pela sorte ou pela falha. Errar ou ter sorte faz parte do poker nosso de cada dia, assim como, no meu caso, o orgulho que tenho por praticá-lo.




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