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O senhor sou eu



23/04/2012
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Parece que, num domingo desses, um parceiro que chamam de Diego Cara de Cavalo, porque ele tem o rosto comprido como o de um cavalo, forrou uma nota no pôquer online e decidiu dar um tirinho na mesa cara do Paradiso.

Bem, todo mundo sabe que é preciso ter nervo e bala para dar um tirinho ali.

Talvez o Cara de Cavalo tenha bala agora, mas já joguei com ele várias vezes para saber que nervo ele não tem. Afinal, esse não é o tipo de coisa que você desenvolve de um dia para o outro. E para ser sincero, acho que nem dá para desenvolver, porque quem tem nervo já nasce com ele.

A parceirada do jogo caro então gosta quando o Cara de Cavalo senta e pede 10 mil de frente. Nesse momento, há um cochicho entre os jogadores da mesa pequena sobre a forra dele na internet. Um dealer diz para mim que o Cara de Cavalo cravou um torneio de 45 mil dólares. O que certamente não é um mal placar para um parceiro limitado como ele.

Mas todo mundo sabe que, na mão do Cara de Cavalo, esse tomate vai queimar mais rápido do que uma fogueira de folha seca.

Os medalhões da mesa cara também já sabem da cravada, é claro. Eles vivem, afinal, de ganhar dinheiro dos outros. E, para fazer isso, é preciso saber quem está com o tomate. A parceirada decide então apertar o Cara de Cavalo e acelerar o jogo, porque ninguém quer só os 10 mil reais, mas os 45 mil dólares inteiros.

Por isso o General pede mais 50 mil de frente. Daí o Paulinho Piu-Piu, que chama assim porque tem um viveiro de pássaros, pede outros 50 mil e todo mundo faz igual. É claro que o Cara de Cavalo pede também, porque ele consegue contar dois mais dois, e sabe que se todo mundo tiver 50 mil na mesa e só ele 10 mil, vai ser prensado.

Ali da mesa pequena eu estou olhando o jogo caro, e vejo a face amarela do Cara de Cavalo quando ele assina o vale de 50 mil. O que certamente é compreensível. Quando um parceiro acostumado a jogar na mesa pequena engata no jogo caro, sempre vai se sentir assim.

Estou tão concentrado no Cara de Cavalo que fico desligado da minha mesa e acabo perdendo tudo, quando um parceiro quebra a minha trinca de damas com uma seguida no river. Mas eu não posso ficar nervoso, a culpa é minha. Se eu tivesse prestado atenção nunca ia bater aquele nove. Todo mundo sabe que as cartas gostam de castigar parceiro distraído.

E já que quebro, deixo a mesa pequena do Paradiso e visito a Paquita, que tem um flat ali perto, dá até para ir a pé. A Paquita não cobra barato, mas ela gosta de mim, então estico até as três da manhã no flat. Eu poderia ter dormido lá, mas fico realmente curioso para saber se o Cara de Cavalo já perdeu tudo no jogo caro. Então deixo a Paquita dormindo e volto para o Paradiso.

E quem imagina que o Cara de Cavalo está numa forra daquelas, com quase 200 mil de frente? Volto para a mesa pequena e o dealer diz para mim que o Cara de Cavalo está matando mais parceiro do que catapora, por isso só sobraram cinco cidadãos no jogo caro.

Bom, o General é ganhador e todo mundo sabe, então não é uma surpresa que ele tenha mais de 200 mil também. O resto da parceirada está short, mas ninguém quer largar o osso, porque enquanto há tomate na mesa, há esperança. E tem muita ficha na pano, sem dúvida, porque o Cara de Cavalo e o General juntos tem quase meio milhão. Não é sempre que você vê esse tipo de tomate, nem mesmo no jogo caro do Paradiso.

Com parceiro para trás e só cinco na mesa, eles decidem capar o baralho, que é deixar só do sete para cima, assim sai mais jogo e os potes ficam maiores. Então o dealer capa o baralho, o que é um golpe perigoso para todo mundo, porque você pode quebrar de vez ou enterrar todo o lucro da noite rapidamente.

Logo na primeira mão o General quebra um parceiro, full contra full, e o homem vai embora com um vale de 120 mil nas costas. Agora com 300 mil de frente, o General, que é nego véio, começa a apertar todo mundo, não dá descanso para ninguém.

Aí o dealer vira o sete de outros, o nove de espadas e a dama de espadas num flop.

O General saí atirando pote e todo mundo foge, menos o Cara de Cavalo, que aumenta para 10 mil. O General paga e o dealer vira um oito de espadas no turn. É uma carta realmente perigosa, porque no Omaha capado sempre bate straight flush.

O General aposta o pote de 30 mil e o Cara de Cavalo paga. Um parceiro me cutuca e vou lá assistir ao pote, e todo mundo no Paradiso também vai. Aí a dama de ouros bate no river, que dá quadra. De novo o general sai atirando o pote de 90 mil e o Cara de Cavalo sem pensar aposta tudo, 235 mil. O General paga. Eu estou achando que o General fez flush e o Cara de Cavalo quadrou de dama.

Então o Cara de Cavalo realmente abre a quadra, como eu estava imaginando, e o General diz assim:

“O senhor ganhou”, o General diz.

Aí o Cara de Cavalo dá um sorriso de cabide e vai metendo a mão naquele pote maravilhoso. Está todo mundo besta de ver um parceiro sem nervo como o Cara de Cavalo metendo a mão num pote de meio milhão. Só que aí o General abre as cartas e fala assim:

“O senhor sou eu”, ele diz, e abre o dez e o valetes de espadas para um straight flush.

O Cara de Cavalo parece um ovo de codorna de tão branco que fica, e pega desesperado as cartas dele para encontrar outro valete preto. Mas é o de paus. Então todo mundo percebe que o Cara de Cavalo confundiu sua carta, achou que tinha o valete de espadas, que cortava o straight flush.

Depois que o Cara de Cavalo percebe a besteira que fez, fica vermelho como um capeta, mas não só por causa da besteira, também pelo comentário do General, que disse “o senhor ganhou” e “o senhor sou eu”. Isso é pior do que dar um tapa na cara do parceiro. Bom, o Cara de Cavalo voa por cima da mesa no General, que até cai da cadeira. Aí a parceirada precisa segurar o Cara de Cavalo para aquele golpe não virar tragédia.

Um parceiro da mesa pequena, que é amigo do Cara de Cavalo, o agarra e leva embora. Aí o General levanta do chão e começa a juntar aquele monte de fichas, que se colocadas de lado poderiam ligar a Sibéria à América do Norte.

E mesmo quando o Cara de Cavalo já está fora do Paradiso, ainda dá para ouvi-lo xingando o General, que de fato foi brutal no comentário. Mas todo mundo sabe que parceiro sem nervo entrar no jogo caro dá nisso, forra para a parceirada. Só Cara de Cavalo parecia não saber.


Pedro Nogueira

Após algumas sessões de regressão, este jornalista descobriu que viveu na Nova York dos anos 20 em sua vida anterior. Sua única preocupação era saber a linha de frente da próxima corrida de cavalos e o endereço de um salão de bilhar para passar as noites frias. Ele também é editor-chefe do site www.elhombre.com.br


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